sábado, 16 de agosto de 2014

DE ORLANDO SENNA PARA MARINA SILVA

Marina
No momento em que escrevo essas linhas, madrugada de 15 de agosto, a televisão está reprisando as distintas opinões de políticos e jornalistas, que foram ao ar durante todo o dia de ontem, sobre a possível postulação de Marina Silva à presidência da República do Brasil, herdando a candidatura de Eduardo Campos, onde estava como vice. A comoção pela morte do jovem, culto, bonito, progressista e indiscutivelmente promissor político pernambucano atingiu em cheio a alma brasileira e abalou a política do País, desestabilizando a campanha eleitoral, apesar de contar hoje com apenas 10% da preferência dos eleitores. O candidato Eduardo Campos estava desenhando com nitidez uma terceira posição com possibilidade de romper o compasso binário da política brasileira nos últimos vinte anos, o dualismo Partido dos Trabalhadores/Partido da Social Democracia Brasileira, PT e PSDB. Possivelmente não venceria as eleições, mas estabeleceria uma triangulação, uma situação mais democrática.
O Partido Socialista Brasileiro, PSB, de Eduardo Campos, que abrigava (ou ainda abriga) essa possibilidade da terceira posição, discute se Marina é ou não é a herdeira natural da candidatura, galvanizando a atenção e o suspense da política nacional. No centro da discussão está o agronegócio, responsável por 35% da balança comercial brasileira. Marina afirma que o agronegócio é tecnologicamente atrasado, ainda usa pecuária e agricultura extensivas, esbanja recursos e causa danos ambientais. Ou seja, defende tecnologia de produtividade, mais produção em menos espaço. Mas a poderosa Confederação da Agricultura e Pecuária, CNA, com forte influência no PSB, acha que as ideias de Marina são “desastrosas” para a economia brasileira. Parte do PSB teme que isso tenha repercussão muito negativa na campanha.
É mais um capítulo na extraordinária história dessa mulher de 56 anos, que começou em um seringal perdido na Amazônia chamado Bagaço, foi alfabetizada tardiamente, passou por momentos de miséria, aflição, dores e amores, lutas, vitórias, alegrias, por uma campanha ambientalista e de desenvolvimento sustentável que chamou a atenção do mundo, pelo Senado, por um Ministério do Meio Ambiente, por uma candidatura a presidente (2010) que ganhou surpreendentes 20 milhões de votos, um quinto do eleitorado nacional. Não vou sintetizar aqui a biografia de Marina, que é bem conhecida. A propósito, a cineasta Sandra Werneck está tentando viabilizar um filme sobre ela, com base no livro Marina, a vida por uma causa da jornalista Marília de Camargo César.
Mas me chama a atenção um aspecto revelador de sua personalidade, que é a exposição constante de suas dúvidas, avanços e recuos, correções de rumo de seu pensamento político. A sua coragem de não esconder os caminhos desse pensamento, tanto no âmbito pessoal como no âmbito da vida pública. No que se refere à religião, por exemplo: a menina Marina cresceu envolvida pelo catolicismo rural dos seringueiros, onde é forte a presença de conotações místicas dos povos indígenas, quando adolescente desejou ser freira, já adulta optou pela Assembleia de Deus, uma igreja evangélica pentecostal. Manifesta-se contra a descriminalização do aborto e da maconha e, ao mesmo tempo, defende plebiscitos sobre esses temas (o que lhe valeu duras críticas de pastores de sua igreja). Era contra desde sempre o casamento gay e no ano passado mudou publicamente de opinião, passando a apoiar as uniões oficiais entre pessoas do mesmo sexo.
A impressão que me passa é que ela quer que o País conheça e acompanhe seu contínuo processo de formação e reformação, sua psicanálise de porta aberta, sua polêmica consigo mesma, seu embate entre o que deseja e a realidade do mundo globalizado e violento, a realidade da crise civilizatória que a humanidade está vivendo. Esses dias ela está vivenciando o que talvez seja o momento mais dramático desse embate: ser candidata ou não à presidência da República com base em um partido que, na sua maioria, discorda de sua posição sobre o agronegócio. Enquanto o PT e o PSDB aguardam essa decisão para saber que rumo adotar em suas campanhas. Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima, com esse nome que mais parece um poema, com sua aparente fragilidade, com sua saga de heroína, continua fazendo História, a dela e — quem sabe? — a do Brasil.

Um comentário:

  1. Um belo texto sobre Marina...o que ela foi, o que ela é e o que poderá vir a ser...e todas as responsabilidades e renúncias que um cargo de presidente carrega...um momento e tanto na vida de uma mulher...definir o seu futuro dentro da história...

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