quinta-feira, 10 de julho de 2014

ZERO HORA E DOIS MINUTOS



ALCEU VALENÇA


Zero hora e dois minutos. Acabo de chegar em casa, no bairro do Castelo, em Lisboa, depois de sofrer noventa minutos e constatar que não somos o país do futebol.
Numa boa, não somos mais bons de bola.


 Esse esporte, no meu tempo de menino, era chamado de Bretão porque nasceu na Inglaterra sisudo e metido a nobre. Era jogado nos clubes, entre aspas, aristocratas, que não permitia pobres, sobretudo se fossem negros, jogarem. Aos poucos, tomou os terrenos baldios. Virou moleque, vadio, cheio de ginga e esperto. Bretão virou maloqueiro, com ginga de capoeira, de sambista brasileiro. Alegre e improvisado não visava somente o gol, mas a brincadeira, o prazer do drible pra deixar o amigo adversário estonteado, caído sobre o gramado. Em seguida, como o sorriso escancarado, o cordial e muito amável jogador, autor da façanha, estendia a mão ao adversário para que ele se levantasse e pudesse continuar a alegre pelada. 

Assim surgiram Garrinchas, Didis, Pelés, Vavás, bem maiores que a perfeição. À época os jogadores eram avessos a entrevistas. E quando isso acontecia falavam, sobretudo, de futebol. Jogavam muito, falavam pouco. Sem essa de parlapatão! Eles tinham um amor incomensurável pelo clube em que jogavam. Não se relacionavam com agências de publicidade. Nada de moda. Vestiam a camisa, sim, do time. Dinheiro sim, está claro, recebiam um bom salário. Mas não estavam nas mãos de publicitários. 

E, assim, inventamos o futebol brasileiro. Garrincha, nas copas transformava qualquer gringo em um pobre diabo, com seu drible sempre para um só lado sem ouvir qualquer tática. Técnico bom ficava calado e dizia ao time para jogar diferente do estrangeiro, sem tática ou esquema, tudo na base da improvisação.
Mas o tempo foi passando, o negócio se avolumando e começamos a imitar o estrangeiro. Dinheiro sim. Futebol brasileiro não. Tudo teria que ser bem executado. Jogo objetivo. Pensado. Atletas gladiadores. Teríamos que jogar como eles e viramos um subproduto. Deu no que deu. Deus que já foi brasileiro, disse, chega de imitação perdemos e nosso jeito brincalhão. 


Na música também estamos no mesmo caminho. Perdendo a ginga do samba, do forró e do baião. Vendemos nossa alma ao soul e tudo que não é brasileiro. Estamos virando uma imitação. Americanalhados, tentando adaptar nossa língua e a nossa música ao sotaque de quem canta em inglês. Será que a culpa é nossa, do rádio, da televisão.... Da falta de curadoria... Do amor próprio.... Do jeito que vai... Sei não.

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