quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Á LA BELLE ÉTOILE

Ao entardecer do domingo, comme d’habitude, desci a Ladeira da Barra e caminhei pela orla marítima, relanceando olhares ao mar e ao horizonte marinho. Creio que meu estado de espírito fosse neutro.
No promontório gramado do Cristo da Barra, detive-me por instantes. Já era noite. Casais de namorados e pessoas sozinhas estavam sentadas na grama e flanavam ociosamente. A lua crescente pontificava no céu.
Tendo decidido me comunicar liquidamente com o oceano, à la belle étoile, desci a escada de alvenaria que vai da borda do promontório até a praia. Antes de fazê-lo, por precaução, perscrutei a área do cristo para ver se não havia ninguém suspeito capaz de me seguir e assaltar. Notei um homem de meia-idade, bigode e camiseta cavada vermelha que parecia me observar disfarçadamente. Mas não achei que representasse perigo.
Desci e, após uma dezena de graus, parei numa plataforma de cimento no meio da escada, destinada ao descanso do caminhante. Nenhum ruído urbano podia ser ouvido. A maré tinha atingido seu ponto mais alto e as ondas chocavam-se violentamente com as rochas; a praia havia praticamente desaparecido. Chovera pela manhã e o ar estava muito úmido. Imaginei que para um náufrago lançado à praia, aquelas condições climáticas certamente seriam assustadoras.
Retornei lentamente. No topo da escada, defrontei-me com dois homens em pé, em atitude expectante: o de bigode e camiseta cavada vermelha, de braços cruzados, olhando para onde eu deveria surgir, e um jovem negro – vindo não sei de onde -, sem camisa, que tocava acintosamente o sexo e também olhava para o início da escada.
Imediatamente compreendi o que eles significavam e, sem deixar que percebessem qualquer constrangimento, passei com naturalidade pelo espaço entre eles – uns cinco ou seis metros -, a cabeça baixa –, subi com passo tranqüilo a inclinação que levava ao passeio e ganhei a rua.
Creio que o local seja, sobretudo à noite, ponto de encontros furtivos entre homossexuais e que meu olhar de varredura à procura de eventuais assaltantes tenha sido interpretado como incitação a uma aventura homoerótica.
Marcos A. P. Ribeiro            

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