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quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

SALGADO: NOVO LIVRO



Exclusivo: Sebastião Salgado lançará novo livro. Veja fotos inéditas e a história do projeto

O inquieto mestre Sebastião Salgado está concluindo agora um novo projeto, no qual vem trabalhando há doze anos e revela ao blog com exclusividade. Ele foi a dez países fotografar o café, pessoas ligadas à produção e as lindas flores do cafezal. Ao blog Matheus Leitão News, Salgado enviou quatro belas imagens inéditas do trabalho, feitas no Brasil, Índia e Tanzânia entre 2002 e 2014. O livro será lançado em maio deste ano, editado em vários países ao mesmo tempo, inclusive aqui, pela Companhia das Letras. Será do tamanho do Gênesis e terá destaque na Expo de Milão.
Em entrevista, Salgado conta a história de sua ligação com os cafeeiros, que vai da sua infância numa região produtora até a sua ida para a Organização Internacional do Café. De lá, como se sabe, abandonou o bom emprego e deixou o produto. Agora, volta a ele neste projeto, que define como “muito humano”. E isso pode ser conferido na amostra que o blog publica. 
O café mobiliza o trabalho de centenas de milhares de pessoas e o fotógrafo se fixou nesse ponto. Salgado esteve no Brasil no ano passado para fazer mais fotos sobre o espetáculo da floração dos cafezais. “Uma das coisas mais bonitas da Terra”. Mas não conseguiu porque não choveu. Ele tem uma certeza: é mais um sinal das mudanças climáticas, provocadas pelo ser humano. “Nós matamos os rios e tiramos as matas”.

Matheus: Há quanto tempo você está trabalhando nesse projeto?

Sebastião Salgado: Na realidade eu comecei em 2002. Fiz a primeira reportagem no Brasil. Fiz 10 países. Olha, eu fiz o Brasil, a Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Tanzânia, Etiópia, Índia, China e Indonésia.

Matheus: E porque o tema foi o café?
Salgado: Sabe…o café é uma coisa que está muito ligada à minha vida. Meu pai, quando veio pra minha terra, para Aimorés, ele saiu da cidade de Manhuaçu, uma das regiões que mais produzem café no Brasil. A maior parte do café tipo arábica está por ali em torno do pico da Bandeira, na região do Caparaó. Então, meu pai vinha com tropa de mula trazer o café de Manhuaçu, gastava 12 dias a pé pra chegar até Aimorés e lá desembarcava, colocava no trem de ferro que ia pra Vitória pra ser exportado. Era a única maneira de descer. Depois, quando eu era menino, meu pai tinha uma máquina de beneficiamento. Então eu sempre estive ligado ao café.

© Sebastião Salgado/Amazonas images -- Índia 2003
© Sebastião Salgado/Amazonas images — Índia 2003

Matheus: Inclusive depois de adulto?
Salgado: Quando eu vim pra França, preparei aqui um doutoramento com PHD em Economia. A minha tese seria sobre o café. Coincidentemente, eu fui trabalhar na Organização Internacional do Café como economista, onde eu trabalhei num fundo de diversificação, na realidade um fundo de investimento de um banco da OIC que investia na diversificação do café no mundo. A região que trabalhava era Ruanda, Burundi, Congo, Tanzânia, então essa era a minha região de trabalho.

Matheus: Como era esse trabalho?
Salgado: Eu ia pra esses países, identificava as possibilidades de diversificar o café. Eram macroprojetos. Em Ruanda, nós lançamos um projeto que empregou 32 mil famílias, mais de 100 mil pessoas ligadas indiretamente. O país dava a contrapartida (uma parte do financiamento) e o Banco Mundial completava o investimento. Então, fiquei ligado em café na minha vida de economista também. Depois, virei fotógrafo. Saí do café pra fotografia. Há muitos anos, o Andrea Illy, da empresa Illy da Itália, veio ao Instituto Terra, ele queria participar com a gente. Fizemos um projeto grande com eles de ecologia na área do café no Brasil e surgiu a ideia de eu fazer uma série de fotografias durante vários anos que, no final, seria um livro e uma exposição. Foi nisso que eu trabalhei durante todos esses anos, indo a 10 países diferentes. 
O resultado é uma coleção hoje de fotografias razoável, nós vamos ter um livro de umas 300 páginas mais ou menos, um livro grande como o Gênesis, que sairá na Itália. O editor chama-se Contrasto. É livro mesmo e não de publicidade ou de propaganda da Illy Caffè. O Andrea Illy escreve um texto no livro. Mas, o Sepúlveda escreve um outro texto e é um livro sobre o café no mundo. Das commodities, depois do petróleo, o café é que movimenta mais recursos e gera mais renda no mundo. Tem dezenas de milhões de famílias que trabalham com o produto. O Brasil, que é o mais importante, claro, produz 35% do café do mundo, mas o Vietnã é um grande produtor de café. Eu não fui ao Vietnã, porque ele produz basicamente robusta, e eu trabalhei só com arábica, mas a Indonésia é um grande produtor; a Colômbia, também. A grande maioria é produzida em pequenas propriedades, são famílias, são milhões de famílias no mundo que trabalham com café.
 Quando você consome uma taça de café, seguramente todos aqueles grãozinhos que constituíram sua taça de café passaram pelas mãos das pessoas. É um negócio nobre, muito importante, e durante todos esses anos eu trabalhei com as pessoas que produzem o café. Não fiz um trabalho técnico, um trabalho sobre a alta tecnologia. Eu fotografei as as pessoas que produzem o café. É um trabalho muito humano, sabe, e a última reportagem eu terminei agora, dia 10 de dezembro, na Ilha de Sulawesi, na Indonésia, e na Ilha de Sumatra. Trabalhei nos dois na última reportagem. 
E agora a Lélia [esposa de Salgado] está montando um livro. Vai haver uma exposição que começa na Expo, a Exposição universal em Milão. O tema deste ano é alimentação e vai ter um grande pavilhão do café. Nesse pavilhão, vamos fazer uma exposição de 50 fotografias gigantes, de 6 metros. Eles estão esperando que em torno de 23 milhões de pessoas visitem a Expo. E, paralelamente, a gente faz uma exposição museológica ligada à Bienal de Veneza, que começa na mesma época. O livro sai pela Contrasto na Itália; pela Companhia das Letras no Brasil; sai na França, sai uma edição inglesa feita pela Thames e Hudson, que é inglesa, mas também publica nos Estados Unidos. 
Então é um inglês, mas haverá edições também em espanhol e em francês.

© Sebastião Salgado/Amazonas images --  Tanzânia 2014

Matheus: E saem todos na mesma época Sebastião?
Salgado: Saem todos na mesma época.

Matheus: Agora em maio?
Salgado: Agora em maio. O livro vai ser lançado em todos os países, inclusive no Brasil. Então, Matheus, você é o primeiro a falar disso aí no Brasil.

Matheus: Eu agradeço. Queria te fazer uma pergunta Sebastião: como foi reencontrar o café?
Salgado: Isso pra mim nem foi reencontrar o café, foi continuar no café, porque ele sempre esteve ligado à minha vida, apesar de eu não tomar café. Isso é uma coisa interessante, eu não tomo café, mas o café esteve sempre ligado à minha vida. Como eu te falei, através da história do meu pai, quando eu era menino eu ajudava muito nessa máquina de beneficiar café que meu pai tinha, abrindo os sacos, botando pra secar, porque essas máquinas tem assim um grande pátio de cimento onde você põe o café quando chega da colheita. Ele já é seco, mas depois tem que secar mais. Então, você põe o café pra secar, depois tem o beneficiamento, tem a preparação do café colocado em sacos pesados e já sai pra exportação, sabe? Então eu trabalhei muito com café e depois eu virei economista, trabalhei na OIC. Minha primeira grande viagem foi para Ruanda. Nós financiamos um projeto de chá e fizemos a introdução do chá no Ruanda. Era ligado ao “Office des Cultures Industrielles” de Ruanda, e eram esses os responsáveis pelo café. E nós fizemos toda a viagem juntos. O café sempre foi muito próximo da minha vida, sabe?!

© Sebastião Salgado/Amazonas images -- Brasil 2014


Matheus: E eu soube que você teve dificuldade de fotografar o café no Brasil, este ano, por conta do clima, não? Por conta da falta da chuva…
Salgado: Eu estive aí recentemente no Brasil, no final de setembro, pra fazer a floração do café, mas a chuva não chegou. Ele sai sempre no início de outubro, eu vim no final de setembro, fiquei 15 dias esperando o café, não choveu e a flor não saiu. Aí eu tive que voltar para a Europa, tinha outras coisas pra fazer, vim de novo no final de outubro e falei “agora vai dar”, esperei mais uma semana, nada de café, nada de flor. Acabei fazendo um pouco das flores que chegaram, um pouquinho de avanço em relação às outras que eu fiz, mas eu não fiz o espetáculo da floração do café, que é uma das coisas mais bonitas que existe na Terra. Aquelas plantações de café que ficam ali na região de São João do Manhuaçu, toda aquela região do Caparaó, é tudo coberto de cafezal. As montanhas ficam brancas de flor de café e o cheiro, assim, maravilhoso, uma quantidade de insetos, principalmente abelhas que vêm pra pegar, e é uma coisa assim que dura muito pouquinho, sabe? Dura dois, três dias e acabou. Da floração são dois, três dias. Então, a grande floração eu não consegui, eu tenho flores no livro, mas esse espetáculo que eu tinha ido pra fazer e preparei durante anos não consegui fazer. Passei quase um mês aí esperando em duas datas diferentes, e não consegui.

Matheus: E você acha que tem alguma coisa a ver com as mudanças climáticas…
Salgado: Tem, absolutamente tem. Os produtores rurais não estão compreendendo, mas eles sabiam absolutamente que nessa época chovia. A floração vinha, era 95%, às vezes variava, agora a variação é muito grande, está ligada certamente ao aquecimento climático e que está dando uma grande diferença nas precipitações, nas épocas de precipitações, na frequência que existia aquele tempo determinado. Agora está variando demais. Por exemplo, agora, lá no Instituto Terra, que é época da gente estar plantando, deu uma chuva no início da temporada de chuvas. A gente plantou e não choveu mais. Então, nós estamos perdendo uma quantidade imensa de mudas, porque está havendo esse desequilíbrio muito forte, muito complicado para a agricultura. 
Você vê o problema hoje do racionamento da água em São Paulo, Rio de Janeiro, nessa região. Mataram os rios que deveriam encher esses açudes, essas barragens eram os rios, mas nós matamos os rios, eliminamos todas as matas, tirando todas as árvores que compunham as fontes de água. São elas que retêm a água e foram retiradas. Contaram com a chuva, agora nem com a chuva podem contar. Então, está complicando a situação.

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