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segunda-feira, 13 de outubro de 2014

CREPÚSCULO NO MAR

Amigos,
Acordei hoje com o espírito tocado por uma foto da amiga Maria Aparecida Barral, tendo o mar da Baía de Todos os Santos e seu crepúsculo como imagem. Resolvi então postar, no Facebook, saudando belo, em sua homenagem, um poema com a foto dela como ilustração, postagem que agora compartilho com vocês. A parte menor é a minha.
Abraços para todos.
Florisvaldo Mattos

CREPÚSCULO NO MAR

PARA HOMENAGEAR A SENSIBILIDADE VISUAL DE MARIA APARECIDA BARRAL, QUE COM PERSPICÁCIA E MÁQUINA FOTOGRÁFICA CAPTOU INSTANTE MÁGICO DA BAÍA DE TODOS OS SANTOS, ESTE POEMA DE "MARES ANOITECIDOS" (2000), CUJO TEMA FORAM AS ESTRIPULIAS DOS INFELIZES HOLANDESES NA SALVADOR DO SÉCULO XVII. ILUSTRADO COM O QUE É SÍMBOLO DE PERMANÊNCIA, A FOTO DE SUA AUTORIA.

MAR, MARINHA, MARINHEIRO

Florisvaldo Mattos

“Perto uma janga embala um marujo no banco
Brunindo ao sol brunida a pele atijolada.”
(Pedro Kilkerry)

Espécie côncava de orbe me aturde, é o dia.
Deixo a vista perder-se ao fundo da baía

azul, que se compõe com matérias douradas
de luz, em peripécias de espumas aladas.

Ao largo, as mesmas costas de couro brunido,
mesmo arranco de proas de um crepúsculo ido,

o mesmo de antes no desembarque das toras,
retalhos de mar de antigas tardes sonoras.

Perscruto o céu, a água e o horizonte de azulejos.
Esqueço as tardes frias do norte, os seus queijos,

o malte e o gim; troco-os pelo que agora valho:
mel, cauim, vinho e rum, em barris de carvalho.

Não faço o que fazia o general Van Dort,
que defrontou homens e espadas até a morte.

Bem mais há que fazer: divagar, por exemplo.
Não almejo para o meu corpo o chão de um templo.

Tampouco o destino dos capitães de guerra,
peito em sangue, corpos estirados na terra;

dos que afrontaram o celerado tropel
(Nodt, Schouten, Kiff, Bastefeld, Isenach, Burstel),

de flechas e balas no arrojo das batalhas,
sentiram a vida enredar-se às férreas malhas

da morte, ou o próprio sonho à invisível teia
da glória atado, um cofre de moedas de areia.

Só desejo que ao fim de temerária aventura
o destino me guarde o mar por sepultura.

Bem mais há antes que desfrutar: hordas no espelho,
peixes de claro dorso, em raia, e o sol vermelho,

e no fogo do instante o halo e as solenes tramas
do verde e do amarelo engravidando as ramas;

mulheres na margem de peitos desenvoltos,
mãos a cuidar de longos cabelos envoltos

de silvestres grinaldas, o que é próprio delas,
e além o numeroso coito das estrelas.

Rejeito as sombras da cidade e as duras formas,
no íngreme topo, ao léu das consagradas normas,

que avançam para tons resolutos e nuanças
qual olho aberto a coisas, sonhos e esperanças.

Deixo a vista perder-se ao fundo da baía,
que rege o infinito com que decifro o dia.

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