O caso Beatriz
e a barbárie na escola
Por Malu
Fontes
05/04/2016 10:26:00
Com apenas 7 anos e durante uma festa de formatura em uma escola de
classe média, na cidade de Petrolina (PE), Beatriz Mota, filha de um professor
da casa, foi assassinada com mais de 40 facadas e teve o corpo jogado atrás de
um armário. Embora o crime tenha acontecido em dezembro do ano passado e ainda
não tenha sido esclarecido, o caso voltou à imprensa há uma semana por uma
revelação policial desnorteadora. Em entrevista coletiva, o delegado
responsável pelo caso declarou que cinco funcionários da própria escola onde
Beatriz foi morta e da qual seu pai era professor estão entre os sete suspeitos
do crime.
E como se essa declaração do delegado já não fosse atordoante o
suficiente, foi dito mais: o crime foi premeditado e houve um mentor, um ou
mais executores e outras pessoas que participaram indiretamente. Por mais que
se saiba o quanto a violência é algo intrínseco à natureza humana, é da ordem
do inimaginável, quando não se é versado nas artimanhas policiais e
investigativas, supor que tantas pessoas sejam capazes de, simultaneamente, e
em um ambiente onde todos se conhecem, juntarem-se em torno de um projeto tão
cruel e perverso.
Fanatismo
Fora da Psiquiatria, do universo das psicopatias e da crônica policial,
é dificílimo supor motivações que poderiam levar um ser humano a assassinar uma
criança com mais de 40 estocadas de faca. E ainda há os detalhes sórdidos:
durante uma festa, ao som de uma banda, dentro de uma escola e a poucos metros
dos pais e de dezenas de outras famílias. Resta às pessoas comuns deixar de
lado todas as hipóteses relacionadas à maldade vulgar e conjecturar somente
teses cabíveis no terreno do fanatismo religioso. De outro modo, como responder
a essa pergunta: como e por que um criminoso convenceria, quatro, cinco ou mais
pessoas a aderirem a um plano seu, particular, cuja concretização envolvesse
algo dessa magnitude, a não ser em nome de um fanatismo inominável?
O assassinato de Beatriz é uma dessas tragédias que estampariam as
primeiras páginas dos jornais se tivesse ocorrido numa metrópole. Mas não é o
fato de ter ocorrido numa cidade do interior do país que impede que ele seja
alinhado às fileiras de crimes bárbaros brasileiros, desses nos quais
assassinos cortam suas vítimas em pedaços, as ensacam em sacos plásticos e
atiram no lixo, ou enterram corpos em covas rasas em quintais ou dentro da
própria casa. E se o assassinato da menina em si e os meios usados pelos
responsáveis pelo ato dão ao caso relevância e dimensão para ingressar na lista
de crimes bárbaros nacionais, o que dizer quando as autoridades policiais do
caso apontam como suspeitos os funcionários de uma escola tradicional de uma
cidade do interior?
Erro
Independentemente dos caminhos que a condução policial do caso percorra,
a partir das declarações do delegado sobre os sete suspeitos do assassinato de
Beatriz, um aspecto não pode ser deixado de lado por quem lembra dos cases
jornalísticos da década de 90. Como acompanhar o caso Beatriz e não lembrar do
caso Escola Base, a escola paulistana cujos donos e funcionários foram
execrados irreversivelmente pela opinião pública após uma falsa acusação de
pedofilia? Se o assassinato de Beatriz precisa ser desvendado o quanto antes,
sim, todo mundo concorda. No entanto, quando se fala em suspeição contra os
funcionários da escola, causa arrepio o risco de erro e de estigmatização de
pessoas que podem não ter nada a ver com tamanha atrocidade. De um modo ou de
outro, qualquer eu seja o desfecho, essa escola jamais será a mesma. A barbárie
passou por ali e deixou sua marca.
Malu Fontes é jornalista e professora de jornalismo da Facom-Ufba
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