MALU FONTES
Entre os milhões de pessoas que, hoje, atacam-se verbal, moral e até fisicamente, na imprensa, nas redes sociais e em protestos nas ruas, por conta do clima de ódio que se estabeleceu em função do clima político em que vive o país, muita gente ainda deve ter inscritos na memória os vestígios do que é viver sob uma ditadura militar.
Outros milhões, que também se agridem do mesmo modo, pegaram apenas o rescaldo dessa ditadura, gente que nasceu já no regime militar e viveu pelo menos duas décadas sem saber o que era uma eleição para a Presidência da República.
Até chegar ao que nos acostumamos a chamar hoje de democracia, vieram etapas de nomes estranhos. Os atos institucionais que aprofundaram a ditadura, os anos de chumbo de Médici, a distensão, a reabertura, a frustração das diretas, as indiretas, a morte de Tancredo, a posse de Sarney e, finalmente o primeiro voto para presidente, o primeiro desses que hoje se estapeiam de dois lados de um ringue com um traço no meio separando coxinhas e petralhas.
Elegeram um caçador de marajás que, ainda por cima, gabava-se de ter o saco roxo, codinome e atributo que já davam sinais de esquisitice suficiente para dar no que deu. Uma geração chamada de caras pintadas foi considerada a antena da consciência e da maturidade política do Brasil e levou a fama por ter varrido (ou pensado que varreu) Fernando Collor do poder, lá nos idos de 1992.
PROSTÍBULO
Tanto na luta contra a ditadura, como no processo de impeachment contra Collor e agora nesse clima de instabilidade econômica e política repetido como cantilena em todos os meios, o que aparece em comum é uma aposta numa teoria do consolo de acolá, lá e aqui tudo está acontecendo para que o país renasça melhor, para que as futuras gerações recebam um país decente, mais justo, honesto, digno.
Como se já não vivêssemos atolados de metáforas, logo após depor sob condução coercitiva, Lula anuncia à nação que ele é uma jararaca que está mais viva do que nunca após terem tentado matá-la. O golpe de morte acertou-lhe o rabo, não a cabeça.
Prudência e sensatez parecem ter fugido do navio Brasil, cedendo lugar a ratos que riem, fazem muito barulho e aprofundam o caos. Há um separatismo de boteco que clama por pancada, sangue e chorume e embora desconheça o sentido da palavra maniqueísmo, só em nome dela milita. Já começam a querer espancar jornalistas nas ruas. E que fique claro: o descontrole é dos dois lados.
Enquanto o assombro é geral com o poder que uma ratazana bípede tem sobre o Legislativo, eis que entra em cena nesse teatro de vampiros um bispo católico fazendo uma tradução torta da Bíblia e inserindo nela a palavra jararaca, coincidentemente, claro, a mesma usada por Lula para metaforizar-se. O bispo auxiliar da Diocese de Aparecida (SP), que atende pelo doce e dócil nome de Dom Darci, conclamou os fiéis, na missa do fim de semana, a perseguir e esmagar a cabeça das serpentes que se autodenominam jararacas, como fez Maria, sem que o mal lhe tocasse.
SERPENTES
Num país em que já se pega e mata e come, literalmente, em que se chacina por gosto, tudo o que não se precisa é de um bispo que parece inspirar-se mais no elenco de tresloucados do BBB, com seus tapas na cara, do que no frescor do papa Francisco. É esse país de ódio e raiva que vai parir coisa melhor? Por enquanto, o som da banda está mais favorável para as Ana Paulas e os Dons Darcis. Para que tanta marra se a vida é um sopro?
Malu Fontes
jornalista
e professora de jornalismo
da Facom-Ufba
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