É impressionante constatar
quanto Lisboa mudou nestes últimos 30 anos. Mais impressionante ainda é não ter
perdido sua alma. Permanece igual a ela mesma, com seu charme discretamente
provinciano, a harmonia e a diversidade de seus bairros, a excelência de sua
gastronomia, especialmente a caseira, a conservação de seus magníficos
monumentos em contraponto às ousadias da arquitetura contemporânea. Afinal um
dos maiores arquitetos do século não é o português Álvaro Siza?
E, para quem não conhece,
recomendo uma visita prolongada ao Centro Cultural de Belém. Alem de magnífico
edifício que alia a mais atual arquitetura, usando como suporte a nobreza do
mármore rosa tratado em bruto, sem polimento, o imponente edifício integra-se
perfeitamente ao espaço, cujo ponto principal de atração continua sendo o
soberbo Mosteiro dos Jerônimos. A cada viagem, tento visitá-lo e quando tem
algum espetáculo, não deixo de assistir, nem que seja pela sóbria beleza do
teatro.
Numa das minhas primeiras
visitas ao CCB, entrei numa grande sala de exposições, situada no subsolo. A
mostra era de conceituais franceses. Numa parede, uma série de fotografias da
floresta amazônica montadas sobre placas de acrílico, iluminadas por
transparência. Perto, outra série, uns vinte quadrados vermelhos, todos
rigorosamente idênticos. Para ser sincero, me lembro de pouca coisa mais, senão
do profundo tédio que emanava do conjunto. Lembrei de outra exposição, desta
vez em Barcelona, na Fundação Joan Miró. O cineasta/artista Peter Greenaway,
autor de “O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante”, tinha montado um
trabalho conceitual sobre o tema de Ícaro. A exposição, de grandes proporções,
era exaustiva festa para os olhos e a mente. Tudo tinha sido explorado. A cera,
as plumas, o mar, o sol, a terra, o vento. Os visitantes estavam encantados,
passeando entre as montagens recriando as diferentes etapas do mito.
Lembrei também de uma bienal em São Paulo. O curioso entrava
num corredor obscuro com um espelho colocado debaixo do queixo e, ao penetrar
num espaço maior, com farta iluminação, panos e véus pendurados e voando pelo
teto, perdia completamente a noção da limitação da sala, com a poética sensação
de andar nas nuvens.
Neste momento, aqui, estes
artistas franceses me pareciam usar de mesquinha masturbação intelectual,
esquecendo que os visitantes também têm direito de usufruir um pouco do
fazer-arte, sem se sentir analfabetos primários.
O cúmulo foi ao chegar perto
de uns degraus defronte a uma porta hermeticamente fechada. O artista tinha
colocado, com o máximo cuidado, a igual distância dos degraus e da obra
vizinha, um balde com água suja, uma vassoura nova e um pano de chão usado.
Contemplei o conjunto de
objetos domésticos sem entender a proposta. Talvez fosse uma postura de
contestação, uma pergunta sobre o sentido da exposição, uma forma
voluntariamente corriqueira de usar o arrogante espaço...
Estava perplexo, sentindo uma
profunda irritação tomar conta de minha garganta, quanto ouvi “O senhor
desculpe”. Atrás de mim, uma mulher vestida de preto, cabelo cinzento, pedia
passagem. Afastei-me. Com absoluta calma, ela pegou a vassoura, o balde e o
pano e atravessou a sala para desaparecer na porta de entrada.
Acabava de limpar a sala.
Dimitri Ganzelevitch Salvador 25 de
novembro de 2008.
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