Criança, a
cozinha era para mim a parte mais misteriosa e sedutora da casa. Fatma
preparava sopas de legumes e “mechuis” cujas receitas se perderam nos ventos do
Saara. Minha avó inglesa fazia um bolo de chocolate que derretia na boca. Levou
o segredo para o cemitério de Mujaidine.
Meu tio Sacha preparava no seu
restaurante “Au sanglier qui fume” de Toufliat, no Atlas perto de Marrakesh,
uma memorável omelete siberiana. Na minha infância, falava-se com medido respeito
dos cozinheiros. Mas onde estão os cozinheiros de então?
Não
existem mais. Hoje basta estagiar durante dois meses no Fasano ou no Troisgros
para ostentar a alta toca e o título de chefe. Mal arruma três folhas de alface
com dois filetes de anchova e perfuma com algumas gotas de laranja, o cara ousa
pedir o preço de uma corrida de taxi até a Praia do Forte, sem esquecer os 10%
de serviço. É chefe. Sobrevoa, olímpico, a freguesia que “degusta” cabisbaixa.
Manda um imenso prato alvo com quatro nhoques salpicados com lascas de tomate
seco “à la Vesuvienne”. O preço desta vez irá de jato, classe executiva, até o
Rio de Janeiro. Provavelmente, o restaurante terá vida breve.
Mas onde estão os
modestos e talentosos cozinheiros de minha infância? De avental manchado,
apressados, nem se atreviam a sair do fogão incandescente e da barulheira de
pratos empilhados na pia. As luzes da sala, luzes da ribalta, não eram para
eles...
Ser chefe é
um longo aprendizado. Seja modesto, meu amigo. Os maiores chefes começaram por
lavar pratos e varrer o chão. Saiba a alquimia dos cozimentos, a exata medida das
especiarias e o segredo dos molhos. Não se ache o gênio da caçarola por servir
abóbora al dente e strogonoff de tutano.
Certas coisas não se improvisam. Gosto
muito de nouvelle-cuisine. Já tive experiências sublimes. Mas não tente me
enrolar. Em caso de dúvida sempre hei de preferir uma boa moqueca feita nos
conformes, ou um simples cozido, com maxixe e jilô.
Nenhum comentário:
Postar um comentário