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domingo, 20 de setembro de 2015

UMA ESPECIE EM EXTINÇÃO


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Criança, a cozinha era para mim a parte mais misteriosa e sedutora da casa. Fatma preparava sopas de legumes e “mechuis” cujas receitas se perderam nos ventos do Saara. Minha avó inglesa fazia um bolo de chocolate que derretia na boca. Levou o segredo para o cemitério de Mujaidine. 

Meu tio Sacha preparava no seu restaurante “Au sanglier qui fume” de Toufliat, no Atlas perto de Marrakesh, uma memorável omelete siberiana. Na minha infância, falava-se com medido respeito dos cozinheiros. Mas onde estão os cozinheiros de então? 

Não existem mais. Hoje basta estagiar durante dois meses no Fasano ou no Troisgros para ostentar a alta toca e o título de chefe. Mal arruma três folhas de alface com dois filetes de anchova e perfuma com algumas gotas de laranja, o cara ousa pedir o preço de uma corrida de taxi até a Praia do Forte, sem esquecer os 10% de serviço. É chefe. Sobrevoa, olímpico, a freguesia que “degusta” cabisbaixa. Manda um imenso prato alvo com quatro nhoques salpicados com lascas de tomate seco “à la Vesuvienne”. O preço desta vez irá de jato, classe executiva, até o Rio de Janeiro. Provavelmente, o restaurante terá vida breve. 

Mas onde estão os modestos e talentosos cozinheiros de minha infância? De avental manchado, apressados, nem se atreviam a sair do fogão incandescente e da barulheira de pratos empilhados na pia. As luzes da sala, luzes da ribalta, não eram para eles...
Ser chefe é um longo aprendizado. Seja modesto, meu amigo. Os maiores chefes começaram por lavar pratos e varrer o chão. Saiba a alquimia dos cozimentos, a exata medida das especiarias e o segredo dos molhos. Não se ache o gênio da caçarola por servir abóbora al dente e strogonoff de tutano.

Certas coisas não se improvisam. Gosto muito de nouvelle-cuisine. Já tive experiências sublimes. Mas não tente me enrolar. Em caso de dúvida sempre hei de preferir uma boa moqueca feita nos conformes, ou um simples cozido, com maxixe e jilô.


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