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terça-feira, 4 de agosto de 2015

DIRCELÃO!


Resultado de imagem para fotos de jose dirceu  Alex Antunes   


















 No dia 30 de junho, publiquei o texto que reproduzo abaixo, Dirceu e o ato falho de Dilma. Hoje, com a nova (e definitiva) prisão de José Dirceu, ele emerge em todo seu significado esplendoroso (risos). Alguns valores de propinas foram atualizados, mas no essencial é isso. Permito-me o tom de piada para combinar com o fato de que, pela primeira vez, uma nova fase da Operação Lava Jato tem um nome gozador,
 “pixuleco”.
 É claro que é a palavra usada pelo tesoureiro Vaccari do PT para designar a propina – mas as operações costumam ter nomes bem mais solenes. A fase anterior por
 exemplo foi a “politéia” (que remete à república ética e virtuosa imaginada por Platão). Esse pixuleco de boteco, um tanto fanfarrão, marca também um ponto de
 inflexão nas prisões: é quando elas realmente se aproximam do coração, do núcleo duro do PT. Tem um tom de “segura aí, bandidagem”. Mas ainda é preciso explicar para quem tende à direita, ou é apolítico (sendo que essas coisas convergem, porque
 tanto o direitista quanto o apolítico acreditam que “o mundo é assim mesmo”), qual tipo de bandido é Dirceu.
 Como diz o filósofo Paulo Ghiraldelli, nesta boa análise, Dirceu não é o cara que corrompe para enriquecer, para comer todo mundo. Ele já tem todo o poder;
 não se trata exatamente de ostentar. Dirceu é o ser mutante do aparato, o Stálin que se especializa no manejo da máquina política para que tudo realmente passe por suas mãos. Eu suponho que esse seja um defeito original do marxismo: quando você atribui legitimidade a uma única classe social (o proletariado), por extensão você atribui essa legitimidade ao partido (dos trabalhadores), depois à sua direção (Dirceu é o cara que botou para correr as tendências divergentes no próprio PT e
 finalmente ao seu líder genial.
 Evidentemente, como lembra Ghiraldelli, o caso do PT é apenas “meio bolchevique”. O líder genial natural é, ao mesmo tempo, macunaímico e de perfil social-democrata e populista: Lula. Também acho que Dirceu deve ter sentido um prazer enorme e meio psicanalítico em, controlando as finanças secretas, controlar até o próprio
 Lula, no limite. No entanto, como relata o então ministro Miro Teixeira, Lula concordou em 2003 que era o caso de fazer maioria parlamentar comprando o “congresso burguês”, os “trezentos picaretas” que ele mesmo tinha denunciado dez anos antes – enquanto, segundo Miro, o ministro Pallocci falava em buscar o apoio
 do PSDB para determinadas medidas. Esse teria sido outro país.
 Evidentemente também o PT não é todo ele uma “organização criminosa”. Apenas sua direção, ou mesmo parte dela. Os vícios ditos leninistas ou bolcheviques que levaram a isso (como eu coloco no texto abaixo: “Para sua formação leninista, o respeito às regras do ‘estado burguês’ é uma bobagem. Não duvido que Dirceu seria capaz de dar ótimas explicações para todo o dinheiro ‘expropriado’ do estado e das
 empreiteiras) poderiam até terem sido extirpados do PT. Mas, nessas ocasiões, prevaleceu uma postura defensiva, incapaz de autocrítica, que transformou o psiquismo petista em um psiquismo fundamentalista religioso, contra as
 transformações.
 Em texto de abril do ano passado, Joaquim Barbosa, benfeitor do PT (mas o PT não notou), desenvolvi o tema. O PT perdeu todas as oportunidades de se reciclar. Vai ser “reciclado” à força. A força da mesma sociedade que o colocou no poder, e não por artifícios da direita, como quer Lula, que hoje se considera um cristão na arena romana ou um judeu vitimado pelo nazismo. Como bem analisou Fernando Gabeira em texto do domingo, “petistas se sentem perseguidos, mas são incapazes de refletir
 profundamente sobre as causas”. É por isso a descontração vazada na escolha do nome “pixuleco” para a operação. E a minha. A alegria de quem vê que, com a captura de Dirceu e a aproximação ao núcleo duro, o país está próximo de passar ao
 século 21, deixando para trás algumas das alucinações de uma esquerda presa ao século passado – ou ao final do século retrasado. Mas a derrota do PT não será uma
 vitória “de direita”  – porque a direita também tem seus monstros do aparato, como Eduardo Cunha, que estão na mesma linha de tiro. É só a derrota do PT que pode
 inventar uma nova esquerda.

 *
 Dirceu e o ato falho de Dilma.

 José Dirceu se enrolou um pouquinho mais com a delação premiada de Milton Pascowitch. Milton é lobista, e foi o responsável pela aproximação da empreiteira Engevix com o PT. Acontece que, entre 2011 e 2012, a empresa de Milton pagou R$ 1,4 milhão para a empresa de consultoria de José Dirceu, exatamente quando o ex-ministro era réu do mensalão. A Engevix pagou diretamente a Dirceu outro R$ 1,1 milhão, entre 2008 e 2011. Dirceu saiu do governo e teve seu mandato de deputado cassado em 2005. Também foi Milton Pascowitch que desembolsou R$ 400 mil como sinal por um imóvel na av. República do Líbano 1827, um dos endereços comerciais mais esnobes de S. Paulo, onde se instalou a JD Consultoria, de José Dirceu (a casa aparece aqui, num interessante catálogo das propriedades imobiliárias de políticos). A Jamp, empresa de Milton, recebeu R$ 104 milhões entre 2004 e 2013, dos quais R$ 83 milhões vieram das empreiteiras investigadas pela operação Lava Jato.
 A Jamp, apesar de movimentar esses valores, não tem funcionários. Ela também repassou R$ 1,2 milhão, em 2013, à assessoria D3TM, de Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobrás, cargo para o qual foi indicado por José Dirceu. A Engevix também fez pagamentos diretos à D3TM, em 2014. Ou seja, desde a denúncia de Roberto Jefferson em 2005, a abertura de processo em 2006 e a condenação em
 2012, a sanha de José Dirceu por propina só fez aumentar.
 A JD foi aberta em 1998, mas só depois do escândalo José Dirceu começou a trabalhar como consultor – a JD auferiu R$ 39 milhões entre 2006 e 2013. Diante disso, é um detalhe quase humorístico a campanha que José Dirceu fez junto à militância petista para pagar sua multa no processo do mensalão, no valor de R$ 971 mil. Em 10 dias, Dirceu recebeu mais de R$ 1 milhão, em fevereiro de 2014
 – ou seja, enquanto as torneiras das empreiteiras ainda estavam bem abertas para ele.


 Mas o que tem Dilma a ver com isso? Fora o fato de que um outro delator, Ricardo Pessoa, do grupo UTC, finalmente trouxe as campanhas de Dilma em 2010 e 2014 , além de implicar os ministros Mercadante e Edinho Silva, houve a declaração de Dilma ontem, 2ª. feira, em visita aos EUA, de que “não respeita delatores”.
 A fala de Dilma, para não variar, foi bastante estranha. Depois da “mulher sapiens” e da comunhão da mandioca na semana passada, Dilma comparou a denúncia de Ricardo Pessoa à de Joaquim Silvério dos Reis na Inconfidência Mineira, no século 18. E a si mesma que, mesmo torturada, não denunciou seus companheiros de guerrilha, no início da década de 1970.
 São situações muito diferentes, obviamente. A Inconfidência Mineira passou à história como um momento de grande heroísmo patriótico, contra a Coroa portuguesa.
 E Dilma evidentemente se reconhece na guerrilha brasileira dos anos 60-70 – sua foto de campanha em 2014, a do “coração valente”, remete à sua participação na
 luta armada. Ora, nesse caso, o delator Ricardo Pessoa estaria “traindo” que tipo de luta heroica? Em benefício de Dilma, digamos que ela pode sim ser honesta, e ter se
 empenhado em desmontar (na medida do possível) os dispositivos de corrupção que herdou da época de José Dirceu e dos governos Lula. Dirceu é um dos artífices do PT (que conduziu com mão de ferro) e da primeira eleição de Lula; seria o nome
 natural para pleitear a presidência em 2010. Homem de enorme determinação e sangue frio, passou por uma operação plástica em Cuba, em 1975, e voltou clandestino ao Brasil, onde foi casado por anos com uma mulher que não sabia quem ele era. Depois da anistia, em 1979, reverteu a operação e retomou as atividades políticas, culminando na fundação do PT.
 Para sua formação leninista, o respeito às regras do “estado burguês” é uma bobagem. Não duvido que Dirceu seria capaz de dar ótimas explicações para todo o
 dinheiro “expropriado” do estado e das empreiteiras. Mas Dilma, que herdou quase acidentalmente boa parte do poder de Dirceu no governo Lula, inclusive a indicação para a sucessão, não reza pela mesma cartilha. Por isso mesmo é estranho que ela compare a corrupção petista à Inconfidência Mineira, e mesmo à guerrilha.
 Essa última, se teve erros políticos catastróficos, nunca perdeu uma certa dignidade idealista, não se misturando aos ladrões de galinha. A denúncia premiada, ao contrário da tortura no tempo da ditadura, é uma prática juridicamente reconhecida – em lei que foi sancionada pela própria Dilma, em 2013. A “presidenta” está abusando de seu direito à confusão conceitual.
 Dilma, mesmo se for honesta, vai acabar pagando pela “flexibilidade” de Lula e de Dirceu no trato com a coisa pública – não haverá estratégia eficiente para descolá-la dessas práticas, e não ajuda nada ela passar esse recibo de que é feita da mesma
 matéria. Um dos inconfidentes, Tomás Antonio Gonzaga (imagem), usava o nome poético de Dirceu – mas o Dirceu deles não é o nosso.


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 End.: https://br.noticias.yahoo.com/blogs/alex-antunes/


 Alex Antunes é jornalista, escritor e produtor cultural e, perguntado se era um músico frustrado, respondeu que música é a única coisa que nunca o frustrou. Foi editor das revistas Bizz e Set, e escreveu para publicações como Rolling Stone, Folha Ilustrada, Animal, General, e aquela cujo nome hoje não se ousa dizer.
 Tem uma visão experimental da política, uma visão política do xamanismo, e uma visão xamânica do cinema.
  

 

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