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sexta-feira, 19 de junho de 2015

PLANEJAMENTO URBANO

PLANEJAMENTO URBANO DE SALVADOR SOFRE DUAS IMPORTANTES DERROTAS - POR JÚLIO REIS*

OUTORGA ONEROSA É UM IMPORTANTE INSTRUMENTO  QUE GARANTE À MUNICIPALIDADE, RECURSOS PARA AMPLIAR A OFERTA DE SERVIÇOS E ESTRUTURAS, NÃO SÓ NAS ÁREAS ONDE  SE DÁ A EXPANSÃO VERTICAL, MAS TAMBÉM NAQUELAS COM HISTÓRICO DE CARÊNCIAS

O planejamento democrático de Salvador e a capacidade de preparar um desenvolvimento mais equilibrado entre os diferentes bairros da cidade sofreram duas flagrantes derrotas no dia 27 de maio deste ano. Na data a Câmara Municipal aprovou o PL 201/2014 que alterou o cálculo da outorga 
onerosa do direito de construir, reduzindo seu valor, e, praticamente, secou as fontes do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (Fundurbs).

Prevista no Estatuto das Cidades (lei federal n°10.257/2001), a outorga onerosa é um importante instrumento urbanístico que guarnece as receitas do município quando de sua expansão “vertical”. Desta forma garante que a municipalidade tenha caixa para ampliar a oferta de serviços e estruturas não só nas áreas onde se dá a expansão, mas especialmente naquelas com histórico de carências.

Núcleo do PL 201/204, a proposta de redução da outorga onerosa foi uma inciativa do prefeito ACM Neto para atender ao lobby do mercado imobiliário. Não vai ter veto.

Eterno insatisfeito com o lucro dos empreendimentos que irrompem na cidade (muitos dos quais dirigidos menos para atender a demanda urbanística habitacional do que a lógica de valorização do capital) o “mercado” não aceitou o efeito colateral do aumento do VUP.  O VUP é um índice que mede o valor venal do m² do terreno por bairros. Foi por meio da atualização do VUP que a prefeitura pôde incrementar as receitas com a subida do IPTU em 2014. Mas este índice, como já se pode deduzir, era também a chave para o cálculo da outorga onerosa.

Incapaz de planejar seu crescimento levando em conta interesses e sustentabilidade da cidade, o setor chantageou demitir trabalhadores da construção caso a outorga não tivesse seu cálculo modificado. Era “imperativo” reduzir as despesas e aumentar as margens de ganho da fábrica de torres condomínios. Já quanto ao custo da urbe conviver com lamentável oferta de serviços públicos e brutais desigualdades: que se ignore.

No mais, a mudança não tem prazo estipulado para se estender e o novo índice é o CUB, calculado pela própria indústria com base no custo de construção do m² independente da área onde se constrói. Em outras palavras, a outorga onerosa que antes via seu “preço” atrelado ao valor de mercado do terreno desconsidera disparidades. Graça ou Periperi tanto faz, o valor da expansão em pavimentos será o mesmo. 

Prestar contas por quê? 

Mas não consta que o mercado/indústria imobiliária tenha requerido a extinção do Fundurbs, proposta enxertada no mesmo projeto. Tratou-se de uma genuína iniciativa do prefeito que não quer ter que dar ouvidos ao Conselho Municipal de Salvador. 

É que a gestão dos recursos do Fundo têm o crivo consultivo e fiscalizador do Conselho e este reúne representantes de entidades da sociedade civil, como sindicatos, universidades, movimentos sociais, entre outros. Gente, que é provável, foi às ruas em junho de 2013. Quase tão desconhecido do grande público como a outorga onerosa, o Fundurbs “era” um fundo instituído para garantir os recursos que viabilizassem projetos em acordo com as diretrizes do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU). Ele mesmo previsto no PDDU, só poderia ser alterado após amplo processo de participação pública. O que não houve. Será que o Ministério Público ficará de braços cruzados? A conferir. 

Antes com 18 fontes de receita previstas, agora só restam 4. Vale destacar que o Fundo foi mantido vivo graças a uma emenda 'salvadora' do vereador Edvaldo Britto (PTB). Boa parte dos sites de notícias tratou a iniciativa neste tom. Ironia a parte, para não decretar a morte do Fundurbs e capitalizar com uma posição 'intermediária' e 'conciliadora', o vereador nada mais fez do que levá-lo antes à antessala do coma.

Mesmo o jornal A Tarde assim registrou o ocorrido: "Também foi aprovada por 28 votos emenda do vereador Edvaldo Brito (PTB) que evitou a extinção do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano de Salvador (Fundurbs), mas com dotação de recursos reduzidas em relação à norma até então vigente." Sem oferecer nenhum detalhe sobre o tamanho do “corte”.

Com apenas 4 de suas receitas mantidas, o Fundurbs na prática foi esvaziado e se tornará irrelevante para a construção participativa de uma cidade mais justa. Qualquer planejamento que se desenhe não poderá ser colorido já que não há receitas asseguradas para tanto. Como viabilizar planos sem recursos?

No mais, a sociedade organizada, por meio do Conselho Municipal, perde a possibilidade de fiscalizar e opinar (poderia mesmo decidir se tivéssemos como outras cidades um conselho deliberativo) sobre a aplicação dos recursos que deixam de abastecer o Fundo. Tudo agora pode ser gerido sem conversa ou controle por sua excelência: o prefeito. 


*Julio Reis é jornalista e escritor

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