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quarta-feira, 24 de junho de 2015

A NOVA BARRA E O VENDEDOR DE COCO

A Nova Barra 

e a história de L.

CLÁUDIO MARQUES


L. vende cocos na Barra há 26 anos. Legalizado, mesmo, ele está lá há 17 anos. Educado, sempre gentil, L. construiu uma boa clientela. Ele viu crianças se tornarem adultos e vem acompanhando com olhos atentos a todas as transformações do bairro.
No ano passado, L. ficou contente ao saber que o prefeito, que recebera o seu voto, iria fazer algo pela região. Nada mais natural, dizia ele: “Primeiro, é o bairro mais bonito e visitado da cidade. Segundo, é onde ACM Neto mora”.
L. pensou que seria consultado sobre o projeto, afinal ele vê a vida passar por ali há pelo menos duas décadas. Nada seria mais justo. Mas, um dia a assistente social da Odebrechet, empreiteira que conduziu as obras na Barra, procurou L. em sua barraca e o alertou “Você sabe que vai ter que sair, né?”. L. ficou preocupado, mas a fé no neto de ACM lhe trazia tranqüilidade. “A família dele toda sempre quis o melhor para a Bahia”, afirmava com convicção.
Alguns dias depois, logo ao abrir a barraca, L. recebeu uma notificação que anunciava que a barraca seria destruída em 72 horas. L. deveria procurar outro lugar para vender os cocos. L. entrou em pânico. Procurou a assistente social da Odebrecht, que disse que nada podia fazer.
Nervoso, L. procurou o fiscal da prefeitura e disse que não tinha sentido algum ele sair, pois a reforma ainda estava em outro ponto da barra. O fiscal foi atencioso e contou que ele não precisava se preocupar. A notificação foi rasgada pelo fiscal que garantiu a L. “Fique tranqüilo, todo mundo te conhece”. Mas L., a partir dali, não conseguiria mais ter uma boa noite de sono.
L. resolveu fazer uma reunião com os outros “permissionários” da Barra. Vendedoras de acarajé e vendedores de cocos, todos estavam ansiosos e não sabiam o que fazer. Um deles, contou que interrompeu a caminhada matinal de ACM Neto, num domingo, e que pediu ajuda do prefeito. ACM Neto sorriu, se mostrou surpreso com a situação dos vendedores da região e prometeu uma solução. O prefeito deu-lhe um cartão e pediu que procurasse um assessor no Palácio Tomé de Souza, logo na segunda-feira pela manhã. E assim foi feito. Na reunião, o assessor tentou tranqüilizar aquele vendedor de coco e teria afirmado de forma categórica “A reforma vai beneficiar a todos”. L. ficou mais tranqüilo diante daquele relato, embora a pulga não lhe saísse mais de trás das orelhas.
Dois dias depois, a Prefeitura chegou com caminhão e maquinário. L. tinha 24 horas para levar suas coisas. Ele insistia em perguntar se havia um espaço provisório para que fosse possível dar continuidade ao seu trabalho. L. queria saber, ainda, quando ele poderia retornar. Os operários deram de ombros e fizeram o trabalho deles.
L. cancelou a conta de luz e telefone do seu quiosque. Tirou suas mercadorias e levou tudo para a pousada de um conhecido, ali perto. De camarote, assistiu à demolição do seu local de trabalho.
Os “permissionários” se reuniram. Estavam revoltados e foram procurar os representantes da prefeitura. Uma reunião foi marcada. Depois, desmarcada. Nova reunião agendada, depois cancelada. E assim passaram os meses.
Eu demorei algum tempo para localizar L., que conseguiu um local improvisado, ali mesmo na Barra. L. tinha envelhecido muito, já não dormia, pois não pagava mais as contas com a pequena quantidade de cocos vendidos, diariamente.
Ele me contou que os “permissionários” estavam furiosos e ameaçavam protestar contra a Prefeitura durante a festa de inauguração da “Nova Barra”, que já estava agendada. Em uma semana, a festa aconteceria para a alegria dos baianos. A roda gigante já estava sendo montada.
Sob pressão, representantes da Prefeitura marcaram novo encontro.
Numa segunda-feira, às 10h, L. foi informado que primeiro as baianas de acarajé seriam recebidas, depois os vendedores de coco. Às 13h, as baianas saíram satisfeitas, pois havia uma definição para parte delas. Em seguida, os seis vendedores de coco, todos com décadas na Barra, foram recebidos. Eles foram informados que…. não havia nenhuma novidade para eles!
Artistas independentes fizeram uma festa bonita na “Nova Barra”. Milhares de pessoas escutaram ACM Neto, emocionado, dizer que havia um paralelo importante a ser observado com relação à reforma feita pelo avô no Pelourinho, nos anos 90. As duas reformas seriam marcantes para a cidade e para a sua população.
L. estava lá e escutou tudo.
Ontem, quando eu disse a L. que iria escrever algumas linhas sobre o que ele vinha passando, ele me perguntou: “Você acha que esse prefeito vai se reeleger?”. Eu respondi que ACM Neto foi apontado como o prefeito mais bem avaliado do país, em pesquisa recente.
L. baixou a cabeça, triste. Depois, como em Era uma vez em Tóquio, de Ozu, ele levantou a cabeça, sorriu e sentenciou: “Não há justiça nesse mundo. Fazer o quê?”.
PS: a pedido de L., seu nome não foi divulgado. L. teme que a sua situação jamais seja regularizada. L. ainda tem esperanças.
PS1: Até a data da publicação desse artigo, a Prefeitura não havia dado nenhuma garantia de retorno para os vendedores de água de coco na Barra.

Cláudio Marques

De pais e avós baianos, Cláudio Marques é fundador e coordenador do Panorama Internacional Coisa de Cinema desde 2003. Diretor, roteirista, produtor e montador de 6 curtas metragens, todos co-dirigidos com Marília Hughes. Depois da Chuva, primeiro longa da dupla, ganhou três prêmios no 46º Festival de Brasília do Cinema e foi selecionado para o 43º Rotterdam Film Festival, além de outros 22 festivais pelo mundo. Site do filme: http://coisadecinema.com.br/depois_da_chuva/

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