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terça-feira, 16 de junho de 2015

A MORTE DO PADRE

A campanha dos namorados e a morte do padre

MALU FONTES

Não é raro na crônica jornalística policial o assassinato brutal de padres em circunstâncias pouquíssimo explicadas. Até compreende-se a dificuldade da polícia e dos jornalistas narrarem sem rodeios casos envolvendo uma das instituições mais poderosas do mundo, a Igreja Católica, a fé das pessoas e, principalmente, o tabu do celibato dos padres.
As narrativas dos homicídios ou dos latrocínios envolvendo padres comumente seguem um roteiro semelhante. Basta uma rápida pesquisa na web usando os filtros certos para comprovar que casos de padres encontrados mortos em circunstâncias controversas estão longe de ser episódios extraordinários. No entanto, diferentemente dos outros crimes em que a imprensa, motivada por declarações policiais, diga-se, apresenta logo uma série de hipóteses para a morte dos personagens noticiados (roubo, agiotagem, drogas, queima de arquivo, vingança, crime passional, etc.), quando um padre é assassinado surge logo um véu de proteção à memória da vítima.
Na semana em que a bancada evangélica em Brasília fervia e derramava no noticiário o chorume do preconceito contra os homossexuais, contextualizado em cores mais fortes em função da Parada Gay de São Paulo, os representantes da Tradicional Família Brasileira, essa da qual, na prática, o arremedo mais concreto que sobrou foram os comerciais de margarina (papai, mamãe, um menino macho, uma menina fêmea, um labrador macho amarelo vivendo numa casa com várias janelas na cozinha, por onde o sol entra durante o café da manhã, que, todos os dias, todos tomam juntos, inclusive o cão), enlouqueciam de ódio contra a campanha de uma marca de cosméticos por dizer o que o mundo anda careca e grisalho de saber: namorados hoje podem ser homem e mulher, mulher e mulher e homem e homem.
BAILARINO  
Em meio a isso tudo, com o debate correndo solto sobre preconceito, homofobia, mistura de religião com política e com a ira da família do labrador louro em ponto de combustão, contra a campanha dos namorados da empresa de perfumes e com a transexual linda e performer que resolveu ir à parada gay paulistana crucificada, segundo ela para representar o preconceito que sofrem as transexuais, um crime medonho ocorre em Salvador: um padre é encontrado morto dentro de sua casa, amarrado nas mãos e no pescoço, esfaqueado e apedrejado.
A única declaração concreta que amigos e conhecidos deixaram chegar aos jornais: o padre era uma pessoa muito boa e de boa fé que costumava levar desconhecidos para jogar pingue-pongue em sua casa. A versão curtinha da polícia vai no mesmo caminho: quem o matou tinha acesso à casa, pois não há sinal de arrombamento. Como toda pessoa assassinada, o padre encontrado morto multi-esfaqueado em sua casa na Boca do Rio é uma vítima e sua morte deve ser investigada e punida. O que a sociedade precisa, no entanto, é de menos hipocrisia e de olhos mais abertos diante de todas as vítimas. Quando é um bailarino a morrer como um mamífero irracional sangrando, quem disfarça as primeiras interpretações, que se sabe muito bem quais são?
Por que, quando é um padre, o manto do senhor sobre a linguagem é tão protetor ao ponto de atribuir sua morte à bondade e à ingenuidade na hora de escolher parceiros de pingue-pongue? Bailarinos são promíscuos. Padres têm boa fé com os maus a quem acolhem religiosamente. Faz-se muito barulho por nada diante de uma peça publicitária e silêncio extremo em torno do celibato, esse fenômeno que leva os padres a morrerem por jogar pingue-pongue com desconhecidos que não presenteiam com perfumes, mas com cordas, facas, balas de revólver e subtração não apenas material, mas da vida.

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