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segunda-feira, 6 de abril de 2015

BELEZA E PERIGO

Sábado no Porto; o mar não era mais de verão.
Ventava; e até Itaparica, a superfície líquida cobria-se de móvel espuma branca.   
Para entrar na água, de um azul opaco-turvo, era necessário ultrapassar a barreira das ondas que quebravam fortes, rápidas, fragorosas, sobre a areia.
Um amigo-nadador menos experimente precisou de meu incentivo e orientação para adentrar o mar.
Nadei vigorosamente. Meu corpo era como um barco que enfrentasse as ondas de frente, cavalgando-as e descendo-as. Nos cavados, as braçadas, por instantes, encontravam apenas ar.  
Afastei-me da praia em direção a um barco mais distante. Estava exposto à imponderabilidade; de certo modo e com um pouco de imaginação, poder-se-ia dizer que lutava contra as forças da natureza. “Corria perigo”.
Eu que passo tanto tempo lendo na rede.
Quando me aproximei do barco, no qual dois homens pescavam de linha, eles apontaram um objeto no mar que se afastava em direção a Itaparica, levado pela corrente.
Era uma lata de cerveja contendo iscas que caíra na água.
Pediram-me, constrangidos, mas, ao mesmo tempo, com certo desafio na voz, que eu a apanhasse. “Seria suficientemente corajoso?”
Eu achei que fosse, e aproveitando o espírito aventureiro do sábado – eu que tantas horas gasto assistindo a filmes no sofá -, decidi apanhar a lata, “custasse o que custasse’, se a frase não soar ridiculamente pretensiosa.
Os desafios têm a dimensão que lhe damos.
Nadei forte e rápido. A lata se afastava; teria que nadar mais rapidamente que a corrente, apanhá-la; voltar nadando contra a corrente. 
Após alguns minutos, alcancei-a. Ergui-a da água como um troféu, uma taça.  
Os homens no barco esboçaram um risinho irônico.
Agora, a tarefa era nadar contra a corrente e entregar a lata no barco.
Estava concentrado na intensidade do nado, quando a bela e perigosa forma de uma água-viva branco-violácea – revolvendo-se com uma bailarina espanhola de saia rendada – surgiu à minha frente, conduzida pela corrente. Desviei-me.
Continuei a nadar.
Mais algumas braçadas, outra água-viva se apresentou – elas estavam sendo conduzidas pela corrente.
Nesse momento – nadando contra a corrente com apenas um braço e desviando-me de águas-vivas para entregar a lata no barco – fui surpreendido por um intenso sentimento de vitalidade: sentia-me vivo, vivo, muito vivo! No acme do instante, para o qual convergiam todos os tempos e possibilidades. Muito distante da fosca existência cotidiana.
Entreguei a lata no barco e nadei harmoniosamente para a praia.
Marcos A. P. Ribeiro   

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