Páginas

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

JORNALISTA CONDENADO

Jornalista condenado a pagar RS$ 30 mil por ter escrito obra de ficção: de fato, a realidade supera a ficção
Blogue do Claudio Tognolli

O Brasil detém desde 2007 o recorde mundial de processos contra jornalistas, em ações civis por indenização.
Quando, naquele ano, o jornalista Marcio Chaer divulgou os números, a ONG Artigo 19 os comparou com o resto do planeta. E daí tirou a conclusão estonteantemente científica.
A pesquisa de Chaer revelou que até o mês de abril de 2007, registravam-se 3.133 processos em um universo de 3.237 jornalistas. Os dados foram fornecidos pelos advogados da Editora Abril, Grupo Folha e Grupo Estado. Os dados do sistema Globo e da Editora Três foram pesquisados nos sites de tribunais. As duas empresas somavam juntas 1.825 ações.
O levantamento apontou que as empresas jornalísticas venciam cerca de 80% das ações cíveis. Do universo global de processos, apenas 4,2% foram ajuizados na Justiça criminal.
Em pesquisa anterior, feita junto ao mesmo grupo de empresas, registrou-se a existência de 3.342 ações contra um universo de 2.783 jornalistas. Ou seja, havia 1,2 processo para cada profissional. A relação caiu para 0,9 processo por jornalista.
Depois da divulgação desses dados, os grandes grupos midiáticos proibiram seus advogados de repassarem os números de processos. Alegavam que tal divulgação poderia macular o valor de ação de mercado dessas mídias.
A mídia pratica ela mesma o que condena  nos governos: falta de transparência… 
Sabe-se no entanto, empiricamente, que o Brasil ainda segue o líder mundial de processos indenizatórios contra jornalistas.
E a mesma ONG Artigo 19, que fez a pesquisa mundial, remeteu a este blog o texto abaixo: trata da história de um jornalista condenado a pagar RS$ 30 mil por ter escrito uma obra de ficção.
De fato: a realidade supera a ficção: em valores, inclusive…
Confira: 
Na última sexta-feira (28) o juiz Aldo de Albuquerque Mello, da 7ª Vara Cível de Aracaju, condenou o jornalista Cristian Góes a pagar R$ 30 mil ao desembargador Edson Ulisses, vice-presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe, a título de indenização por danos morais. “O valor fixado é ínfimo em relação à gravidade da conduta”, escreveu o juiz. A condenação ocorreu em razão de uma crônica literária ficcional, escrita em primeira pessoa e intitulada “Eu, o coronel em mim”, publicada em um blog em maio de 2012. Mesmo sem citar no texto nomes de pessoas, cargos, lugares, datas, o juiz entendeu que o jornalista, quando escreveu “jagunço das leis”, não apenas se referiu diretamente a Edson Ulisses, mas ao cargo de desembargador e a “todo Poder Judiciário”.
Esta é a segunda condenação do jornalista por conta do texto de ficção. Atendendo ao pedido do desembargador e do Ministério Público Estadual, Góes foi condenado a sete meses e 16 dias de prisão. A pena, convertida em prestação de serviços à comunidade, ainda é alvo de recurso. “São duas sentenças absurdas sob todos os aspectos. O texto é literário e nele não há nem nome de pessoas e nem fato real. Os julgamentos não tiveram a mínima isenção. Não houve o pleno direito de defesa. Os procedimentos foram parciais, políticos, irregulares e ilegais. Vamos recorrer”, disse Cristian Góes. O texto “Eu, o coronel em mim” é uma espécie de confissão de um homem da época do coronelismo brasileiro e que ainda hoje tem poder, que manda e desmanda. Esse “coronel” tem um “jagunço das leis”. O desembargador e o Ministério Público entenderam que o jornalista quando escreveu coronel estava “pensando” no governador de Sergipe, Marcelo Déda (já falecido); e quando escreveu jagunço das leis estava “pensando” no desembargador Edson Ulisses, que é cunhado do governador e foi escolhido por ele para esse cargo. Na sentença criminal, o Tribunal de Justiça confirmou a condenação do jornalista à prisão por ter escrito essa crônica, usando o argumento que não precisa dizer nomes e nem usar qualquer identificação, basta “meia palavra”. Já a ação de indenização estava parada no Tribunal de Justiça porque o juiz Aldo Mello era da direção da Associação dos Magistrados de Sergipe (Amase) quando essa entidade contratou os advogados do desembargador para essas ações. “Direta ou indiretamente o juiz contratou os advogados de uma causa que ele mesmo julgou e mais, uma causa de seu superior administrativo. Pedimos à suspeição, mas os desembargadores, pares de Edson Ulisses, entenderam que isso não era problema”, informa Góes, que, nessa ação cível, sequer foi ouvido. Ele disse que não tem como pagar essa indenização e achou muito estranho o juiz colocar na sentença que a capacidade financeira do réu pode ser aferida nos autos. “Como assim? O Tribunal de Justiça, o Ministério Público e o desembargador invadiram minha vida privada, minhas contas a pagar e eu não fico sabendo?”, questiona. O jornalista vem sempre reafirmando que essas ações, criminal e cível, em razão de uma crônica literária, ficcional, são uma clara demonstração do atraso, autoritarismo, das relações de compadrio, da sensação de poder absoluto que alguns têm e que pensam que são Deus. “É um claro e direto ataque à liberdade de expressão”, disse Góes, que chama atenção para o teor da sentença do juiz que pode soar como ameaça ao direito à expressão de outras pessoas. Na decisão, o magistrado diz que a condenação não é uma “imposição de vingança”, mas um ato para “educar o agressor”, um exemplo e um desestímulo para que não se cometa o mesmo crime depois. “Diante de tal sanção desestimuladora, tem-se, por consequência, o caráter preventivo, mormente em virtude de que o ofensor, responsabilizado e obrigado a pagar o valor também do caráter desestimulador, procurará, logicamente, evitar futuros pagamentos dessa natureza, da mesma forma que terceiros terão como exemplo tal fato”, escreve o juiz. A ARTIGO 19 tem acompanhado o caso do Cristian Góes desde seu início. Em outubro de 2013, a entidade acompanhou o jornalista durante depoimento que concedeu em audiência realizada em Washington (EUA) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organizações dos Estados Americanos (OEA) a respeito do processo judicial que vinha sofrendo. A oportunidade serviu para chamar atenção para os problemas que os crimes contra honra causam ao direito de liberdade de expressão. Inspirado na crônica de Góes, a ARTIGO 19 produziu o minidocumentário “Eu, o coronel em mim”, que traz a história do jornalista e de outras pessoas que foram processadas por crimes contra a honra em razão de atividade jornalística ou de alguma opinreflitaião que tenham expressado. 


Claudio Julio Tognolli  -  é jornalista há 35 anos e já passou por “Veja”, “Jornal da Tarde”, “Caros Amigos”, “Joyce Pascowitch”, “Rolling Stone”, “Galileu”, “Consultor Jurídico”, rádios CBN, Eldorado e Jovem Pan e “Folha de S. Paulo”. Ganhou prêmios de jornalismo e literatura como Esso e Jabuti. É diretor-fundador da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e membro do ICIJ (International Consortium of Investigative Journalism). Professor da ECA-USP, escreveu 12 livros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário