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quarta-feira, 15 de outubro de 2014

LES DAMES DU BOIS DE BOULOGNE



As Damas do Bosque de Boulogne (Les dames du Bois de Boulogne, 1945)

Preto e branco, 84 min, DCP

Diretor: Robert Bresson

Roteiro: Robert Bresson (adaptação) e Jean Cocteau (diálogos)
Sinopse
Hélene (María Casarès) é uma mulher sofisticada, da alta sociedade. Dominadora e orgulhosa, ela resolve testar o quanto é amada por Jean (Paul Bernard) seu namorado e único homem por quem ela realmente acredita ter se apaixonado em toda a sua vida. Mas, ao sentir-se desprezada, Hélene planeja com extremo prazer uma vingança, que envolve a bela, jovem e pobre dançarina de cabaré, Agnès (Elina Labourdette).
Em meio à guerra, um fracasso retumbante
“As Damas do Bosque de Boulogne” é o segundo longa-metragem de Bresson e foi realizado durante a II Guerra Mundial, em plena ocupação nazista. Aliás, membro da resistência francesa, Bresson ficou encarcerado durante quase um ano, algo que o marcaria e que iria ser tratado em “Um Condenado à morte Escapou”, de 1956.
Apesar de lidar com elementos comuns ao público afeito ao folhetim melodramático, “As Damas do Bosque de Boulogne” não foi bem recebido pela audiência e nem pela crítica quando lançado. O fracasso comercial dessa produção iria abalar a saúde financeira do produtor Raoul Ploquin, importante à época, que precisou de pelo menos sete anos para se recuperar e voltar a fazer seus filmes de estúdio. Aquele “fracasso” iria provocar mudanças sensíveis na forma de Bresson filmar. A partir dali, ele iria elaborar um jeito absolutamente único de realizar filmes.
Por outro lado, não demorou para a crítica perceber que o filme contém detalhes seminais da obra que viria a ser construída pelo cineasta. “As Damas do Bosque de Boulogne” é um filme raro de se ver na tela de cinema, sobretudo em excelentes condições. A cópia que será apresentada no Cineclube Glauber Rocha veio diretamente da França e foi apresentada poucas vezes. Filme para cinéfilo, que busca conhecer não apenas os longas mais badalados de cineastas consagrados, mas que preza em rastrear a formação dos grandes autores.

Um Bresson melodramático
Pode-se enxergar uma tríplice autoria em “As Damas do Bosque de Boulogne”. Primeiro, do filósofo preocupado com questões morais do ser humano, Diderot. Depois, do multiartista Jean Cocteau, que se derrama apaixonadamente na maioria dos diálogos escritos por ele. E, por fim, Bresson, que já se expressa através de uma forma seca e direta em sua direção e construção de cenas.
Estamos muito distantes, contudo, do cineasta que ficou célebre por seu jeito único de dirigir atores (por ele chamado de modelos) e diálogos nada naturalistas. Em “As Damas do Bosque de Boulogne”, temos a afetação de um melodrama típico: amor, ciúme e vingança são os motores da trama.
No filme, Bresson trabalharia pela última vez com atores profissionais. Aliás, muito do charme do filme deve ser creditado à atriz espanhola María Casares. É notável a elaboração de uma mulher tão bonita quanto impiedosa em contraposição moral à angelical Agnès, vivida por Elina Labourdette no frescor de seus 26 anos de idade. O purismo está na dançarina, de trabalho de “vida fácil”. E não no dinheiro, no status social. Mais uma vez: são os elementos da novela clássica.
Interessante que, no filme, há algo de realmente deplorável socialmente que condena Agnès, mas que não é totalmente revelado ao espectador. Entende-se que ela não é apenas uma dançarina, que por si só poderia lhe causar má reputação, mas algo além e que é capaz de destruir sua vida.
Um detalhe: a atriz Elina Labourdette, que possui momentos eternizados de juventude e beleza, veio a falecer recentemente, no dia 30 de setembro de 2014.

Moralidade em Bresson
Notável, ainda, o trabalho de fotografia de Philippe Agostini, com uma câmera com movimentos econômicos e precisos. A luz é acentuada e contrastante, ressalta os rostos femininos na tradição do cinema mudo. “As Damas do Bosque de Boulogne” possui um ritmo próprio: é solene, rígido, mas, ainda assim, com boa dose de afetação romântica.
As questões morais tão importantes a Bresson em praticamente todos os seus filmes são latentes sobretudo na personagem da jovem Agnès. Ela sofre por ser uma dançarina de cabaré, por ter um passado que macula sua honra. É um verdadeiro tormento que ela não pode escapar e por isso, como uma espécie de purgatório na terra, ela se deixa aprisionar pela perversa Hélene. A sexualidade latente que opõe as duas protagonistas precede a salvação da mais pura entre elas. As cenas finais evoca momentos bíblicos de morte, ressurreição e limpeza da alma, através do amor e da fé. Eis aqui revelada a essência de Robert Bresson ainda em seus primeiros trabalhos.

Por Cláudio Marques

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