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sexta-feira, 5 de setembro de 2014

PEROLÁRIO DE ALBOR MUSICAL

FLORISVALDO MATTOS
Passei parte da tarde peregrinando antigos sons e acabei por me bater com uma raridade da canção brasileira, “Mimi”, valsa canção de Uriel Lourival com Silvio Caldas acompanhado por dois violões e cavaquinho (Pereira Filho, Tuti e Luperce Miranda), em disco Victor 33727 a (matriz 65883-1). Gravada em 13.11.1933 e lançada em dezembro de 1933, Ouvi-la nesta clássica bolacha dos tempos do disco de 78 RPM, em noitinha de fina chuva de final de inverno, de frio e vento zunindo pelas frestas da janela, é um prêmio que abre a porta à meditação. Trata-se composição desse poeta de timbre suburbano nascido em Natal (RGN), morto no Rio em 1932, cuja letra mais parece saída do estro de um dos nossos simbolistas de fins do século 19, como o sulista Cruz e Souza ou o mineiro Afonsus de Guimarães, até com ressonâncias do francês Paul Verlaine, cuja entonação lírica e evocações verbais só se ombreiam com as de valsas de Pixinguinha (“Rosa” e “Pagina de Dor”, na voz de Orlando Silva) ou composições com letras de Orestes Barbosa (“Chão de estrelas” e “Suburbana”, na voz de Silvio Caldas, o mesmo desta “Mimi”, só que de alguns anos antes). Atente-se para palavras e expressões quase perdidas no tempo, tais como alma dolorida, albor, embelecida, pérolas de luz, perolário, hoje pepitas sonoras quase impronunciáveis, a léguas de blablablás dominicais de “Faustões” e “Fantásticos”... Vejam a preciosidade na gravação clássica do saudoso “Caboclinho Querido”.
MIMi
Composição: Uriel Lourival
Dentro d'alma dolorida
Eu tenho um riso teu
Meu amor
Teu sorriso é um lindo albor
Uma existência, um céu
Tens, na boca embelecida, pérolas de luz
Rubra ilusão do astral
Perolário a iluminar
Uma eclipse do sol com o luar
Num portento de alegria
Deus, teve uma ideia, um dia
Pediu com santa pena
Que eu te trocasse, amor,
Por Santa Madalena
Oh! Não
Eu respondi, chorando
Deus, Senhor, estou pecando
Mas, doce Pai, não trocarei
Sem Mimi, sem Mimi, morrerei


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