Páginas

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A ENGUIA

EUGÊNIO MONTALE

A enguia, a sereia
dos mares frios que abandona o Báltico
para alcançar os nossos litorais,
os nossos estuários, os rios
que sobe pelo fundo da corrente adversa
de braço em braço, depois
de cabelo em cabelo, adelgaçando,
cada vez mais dentro, sempre
mais no coração da pedra, insinuando-se
entre o borbulhar do lodo até que um dia
a luz lançada dos castanheiros
enche-a de chispas nos charcos de água morta,
das valas baixando
pelas escarpas dos Apeninos à Romagna;
a enguia, archote, látego,
flecha de Amor em terra
que só os nossos barrancos ou os secos riachos pirenaicos reconduzem
a paraísos de fecundação;
alma verde que procura
vida lá onde apenas
morde a secura e a desolação,
a cintilação que diz:
tudo começa quando já parece
carbonizar-se, tronco sepultado;
íris breve, gêmea
daquela que engastam tuas pestanas
e fazes brilhar intacta entre os filhos
do homem, imersos no teu lodo - podes
não a crer tua irmã?

Trad. Eugênio de Andrade

in Rosa do Mundo - 2001 Poemas para o Futuro - Assírio & Alvim

Eugenio Montale (n. em Génova, Italia a 12 Outubro de 1896; m. em Milão a 12 Setembro 1981)


Nenhum comentário:

Postar um comentário