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sexta-feira, 11 de abril de 2014

SHALIMAR

Minha mãe apreciava muito “L´heure bleue” e os sabonetes da marca Guerlain. No fim da vida dava preferência ao delicioso “Samsara”. Assim que, cada vez que eu passava por Paris, ia até a Avenue des Champs-Élysées fazer uma visita à pequena e sofisticadíssima loja desta centenária perfumaria. Naqueles tempos os produtos Guerlain só podiam ser encontrados nas lojas da casa. Nada de duty-free de aeroportos, nada de centros comerciais. Isto por decisão testamentária do fundador. Durante o prazo de cem anos, os perfumes e derivados Guerlain seriam distribuídos unicamente nas lojas da famosa marca.

A dos Champs-Élysées tinha fachada sóbria, quase franciscana. Uma sala quadrada totalmente revestida de mármores de várias cores: o piso, as paredes - incluindo as estantes - e quatro pequenos balcões colocados nos cantos, enviesados. Cadeiras convidativas completavam o charme desse templo do olfato. As vendedoras, sempre as mesmas, envelheciam com distinção. Vestidas com tailleurs clássicos, talvez assinados por Jacques Fath ou Christian Dior, atendiam, amáveis, um público geralmente também discreto, a verdadeira elegância, ontem e sempre, sendo a mais total ausência de ostentação, a anos-luz de Versace e Ivana Trump.

Naquele dia, esperando minha vez, observei uma senhora, já madura, abrigada do frio outonal por confortável casaco marrom de lã, muito bem cortado. Perto da gola, uma jóia de grande ourives alegrava sobriamente sua fina silhueta. Na cabeça um chapéu de feltro lembrando gorro, também marrom, levemente inclinado de lado. A mão direita, livre de luva, apontava os frascos que iria levar. Após pagar com algumas notas – estou falando da década de 70, pré-história do cartão de crédito – ao se despedir da vendedora, com certeza velha conhecida, esta lhe perguntou “Posso perfumar a senhora?” A cliente respondeu simplesmente “Shalimar”. Imediatamente recebeu uma pequena nuvem do mágico perfume criado em 1925.

Ao sair da loja, passou por mim, honrando-me com majestoso sorriso. Tive assim a possibilidade de observá-la melhor. Tinha mais de sessenta anos e sem ser bela, era a concretização da mais absoluta classe. Quem podia ser? A esposa de algum embaixador, de um ministro?

Lá fora, um longo carro esperava. O motorista abriu apressadamente a porta.
Ah! Ia esquecer um detalhe: a senhora era negra.

Dimitri Ganzelevitch                      Salvador, 19 de Julho de 2008.


Um comentário:

  1. Minha mãe usava alternadamente Cabochard (Grès), Heure Intime (Vigny), Ma Griffe (Carven) e Vent Vert (Balmain)
    E eu,nostálgica, ando usando a 4711.
    Adoro o Vetiver do Guerlain. Não acho mais em lugar algum, terei que voltar a Paris.

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