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segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

A CULTURA POPULAR AGREDIDA!

Cheguei à Bahia em 1971 nas bagagens do imortal escritor Orígenes Lessa – lembram de O feijão e o Sonho? – e sua Maria-Eduarda, filha do muy algarvio conde Marim.
Dois dias depois de nossa chegada fui testemunha de uma cerimônia singela e comovedora. Num velho imóvel perto do largo Dois de Julho, o acadêmico era condecorado pelo Rodolfo Cavalcanti, “poeta popular nordestino e escritor de cordel”, dixit o Google, pelo seu empenho em defender tão antiga tradição literária vinda em forma de oralidade de Portugal e da França no século XVI.

Quem tem a mínima familiaridade com esta expressão reconhece nos modestos folhetos, além de interpretações irônicas da vida cotidiana, desde trechos da Canção de Rolando até lendas greco-romanas, como o mito de Pandora.

Nos anos 70, montei uma exposição de gravuras de cordel na Aliança Francesa, coincidindo com a passagem do professor Raymond Cantel, da Sorbonne, na época considerado até no Brasil como maior especialista de literatura de cordel.

Em 1987, quando organizei um festival na escadaria da Igreja do Passo – centro histórico de Salvador – não me esqueci de pedir ao Bule-Bule a honra de sua participação.

Durante os dezesseis anos (de 1980 a 1996) que tive uma galeria no Mercado Modelo, quantas vezes não parei para ouvir os repentistas, e com freqüência comprar suas publicações?
O cordel desembarcou com os primeiros navegadores, tem a idade do Brasil e merece todo nosso respeito.

Assim que podem adivinhar meu espanto quando fui, hoje de manhã, na Praça Cayru para fazer um trabalho de documentação fotográfica para um documentário sobre o Comércio e constatei o sumiço da banca de cordelistas. Corri para o Mercado Modelo falar com um dos ex-presidentes da associação dos comerciantes, o Nelson Tupiniquim. Ele confirmou a inacreditável notícia: os cordelistas tinham sido despejados e o pequeno quiosque destruído.

Quem se atreveu a esta grotesca agressão cultural? Sem dúvida uns tecnocratas mesquinhos e ignorantes, preocupados em agradar o chefão, seja ele quem for.

Enquanto o Museu do Homem do Nordeste, em Recife, celebra a importância desta expressão de cultura popular, aqui, na Bahia, os poetas do povo são confundidos como vulgares vendedores de CDs piratas.

Acabo, neste mesmo instante de conversar por telefone, com o Paraíba da Viola (Antônio Tenório Cassiano), presidente da Ordem dos Poetas de Cordel do Brasil. Ele me informou que hoje pela manhã, tentou vender seu trabalho na rotunda do fundo do Mercado, mas vieram fiscais da Saltur e foi obrigado a se retirar.

Quanta humilhação!
Que vergonha para a primeira capital do Brasil!
O que está acontecendo? Uma higienização da cidade?

Peço a todos os leitores para transmitir minha indignação e obrigar a prefeitura a rever tão autoritária e primária atitude.

Muito obrigado.

2 comentários:

  1. infelizmente salvador ñ é mais nordeste...a "cultura" ai é outra. com a palavra, as cervejarias e a axé music.

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