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quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A MELHOR IDADE?

Nasci numa quinta-feira de muito sol, em fim de tarde. O dia seguinte começou a guerra civil espanhola, mas, acreditem, não tenho nada a ver com isso. Mera coincidência. Atravessei a Segunda Guerra Mundial nos campos sem lírios, perto de Tanger. Conheci a Espanha miserável de Franco, o Portugal obscurantista de Salazar e a França ufanista de De Gaulle. Acho que foi o que mais me irritou. Cheguei à Bahia em tempo de Geisel. Li que Figueiredo gostava mais do cheiro dos cavalos que do povo. 
Não posso esquecer da foto de Dona Dulce parecendo uma máscara do teatro Nô junto ao convalescente marido. Surreal.

Tudo isso para dizer que já passei, e muito, dos três quartos de século. Careca, com problemas – como tantos homens - lá em baixo onde a gente costuma sentar, as ladeiras ultimamente mais íngremes que 30 anos atrás, e minha escada cada dia com mais um degrau. Ah! Se pegar o safado responsável pela brincadeira!...
Assim que, quando recebo no meu monitor algo vagamente cantarolado por Juca Chaves, patético humorista, sobre os encantos da “melhor idade” me dá uma vontade louca de xingar o pseudo baiano. Ainda mais irritado pelo risonho palhaço mostrar um rosário de velhinhos, todos brancos, alegres, bem vestidos e sadios. Negro e pobre não entram no vocabulário do cara. E haja caquéticos pousando de Xuxa e Cauã! Patético...

A maior idade não é, nunca foi e nunca será a melhor idade. Ponto final. Quando me levanto, de manhãzinha, nada de pulo até a varanda, tipo “Bom Dia, Sol Nascente!”. Até porque o sol nasce nas minhas costas. Vou primeiro ao sanitário. Virou sala de estar. Morder uma maçã, nem pensar. Corto-a com cuidado e paciência. Até banana virou assunto de se pensar duas vezes. Não esqueça os comprimidos!
Minha agenda virou crônica médica. Não pretendo desvendar aqui e agora as especialidades de cada médico. Têm mais nomes que o Bottin Mondain, bíblia da aristocracia francesa. Tento respirar entre cada horário. Só a melhor idade para saber quanto se espera nas ante-salas dos consultórios...
Mas não é só o corpo que aos poucos renuncia. Os amigos também. É que os afazeres da vida cotidiana... sabe como é? Uma chamada de longe em longe. Tudo bem? Adoro você, sabia? Precisa de alguma coisa? Imagine que vá responder que sim, preciso. Um curto silêncio do outro lado do fio. E agora José? José fará um esforço desumano para não recusar, mas já posso antecipar o preço do pedido: Telefonará sempre com receio de outro pedido. Ou deixará de telefonar. Melhor ficar na minha e dar uma risada. Não, meu filho, não preciso de nada, estou ótimo. Daqui a pouco vou com a Tereza ao cinema. Ela passa para me pegar...
E fico olhando besteiras na Globo.

Meu problema é nunca ter andado com a cronologia em dia. 
Quando mais novo, só vivia na esperança de ser convidado por mais velhos. Tantos jantares sociais onde eu fazia o Moisés salvo do tsunami no meio de papais Noël e vovozinhas!
Depois foi a fase de intenso trabalho e foi também o tempo de conviver com gente de minha geração. Mas, chegando ao Brasil, onde metade da população tinha – em 1975 – menos de 21 anos, comecei a curtir a companhia de gente mais nova. Os de minha idade ou os mais velhos me eram de outro planeta, marcados pela rotina cinzenta. Já a nova geração que me empurrava alegremente, tinha aquela pujança que nos leva para frente e para cima.
Hoje quem me dera encontrar alguém que me empurre para cima quando me vejo obrigado a subir a escadaria da igreja do Passo. Eu, que nunca fiz promessa de nada, obrigado a pagar pelos pecados do mundo!

E assim vai caindo a areia, formando um montinho. Na exata mesma medida que ele cresce, vou diminuindo. Então, por favor, parem com esta cretinice de maior-melhor idade. Respeitem minha inteligência e minhas pelancas!

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