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domingo, 7 de abril de 2013

A PROPÓSITO DO FILME DE ANIMAÇÃO "RITOS DE PASSAGEM"

Fim de tarde. A equipe da trilha musical de Ritos de Passagem sobe um labirinto de ruelas no Alto do Cruzeiro, bairro de Feira de Santana. Ruas sem placa nem numeraçào. Perguntando por Baio a cada trabalhador que retorna pra casa. 
Até que acerta o endereço e bate na porta. Baio está por perto, vão chamar. Sua mulher  acolhe na salinha arrumada. Baio chega logo, um homem forte, bermuda de pano de saco, tomado banho depois da labuta. Vem lento, desconfiado. 
Tornou-se mestre de obra. Porque Baio? Pra não ser mais roubado por produtor ladrão. Seus prêmios, e foram valiosos, achou quem levasse, deixando-o na mão. Desiludiu-se. E se nega a fazer o que sabe como mestre de notório saber: tocar sua sanfona. 
A equipe insiste, convence devagar, com cuidado. Baio estuda o risco de ceder e novamente criar uma ilusão cobrindo a realidade maior do seu amor à música. Até que se entrega e pega a pé-de-bode. E dá um concerto de alma brasileira. 
Mais um pouco e traz sua sanfona ganha de Luiz Gonzaga. Branca, linda, reluzente. Afinada como no dia em que chegou às suas mãos deslumbradas. O rei encantou-se ouvindo aquele menino novinho tocando com aquela competência. E deu uma das duzentas sanfonas que plantou no solo brasileiro para frutificar alguns  tocadores que não deixaram o Brasil do interior silenciar sua voz autêntica. 
Baio fez valer seu mérito perante o rei. Fechamos os olhos para entrar no poder daquele milagre. Para escutar inteiramente o que estamos escutando. Suas mãos enormes e rudes no manejo da pá de pedreiro flexionam e soltam melodias com a delicadeza de quem reservou seu talento muito acima das traças que comem os tesouros mundanos. 
E faz naquele início de noite nos sentirmos o povo eleito para testemunhar o sublime a que o homem  pode chegar. Não importam as circunstâncias. 
E o que aconteceu ali naquela salinha tornou-se canção de um dos momentos mais ternos e luminosos do filme.

ALBA LIBERATO

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