segunda-feira, 7 de setembro de 2015

LISBOA É OUTRA COISA

Deslumbrante e multicultural, a capital portuguesa tem cada vez mais admiradores. Cálidos albergues, vida de bairro, noites inesperadas e tavernas familiares. Assim dá gosto!



Mamma Isabel preparou sopa de espinafre e bacalhau com natas para os 40 jovens que chegam ao Home Lisbon. Dos 70.000 albergues que há no mundo, este do centro histórico de Lisboa é um dos melhores (ganhador dos prêmios da HostelWorld na categoria es estabelecimentos de tamanho médio). “Não sabemos por quê”, explica Bárbara, cunhada de Mamma Isabel e gerente do hostel. “São os clientes que votam na web, mas acreditamos que a diferença é a atmosfera. Em um hostel você nunca se sente em casa; aqui, sim.”
Isabel Mesquita -Mamma Isabel-, de la familia propietaria del Home Lisbon Hostel.
Isabel Mesquita -Mamma Isabel-, da família proprietária do Home Lisbon Hostel.
Lisboa foi a capital europeia com maior crescimento do turismo em 2013, um total de 15,3% em relação a 2012, e não vai parar. Este ano está prevista a inauguração de 17 hotéis na cidade, muitos deles albergues que adaptam palacetes e casarões de antigo esplendor.
Nas paredes do Home Lisbon estão penduradas fotos da família proprietária, de casamentos e batizados de avós, pais e filhos, antes em sépia, agora, em cores. A tradição comunga com a mais moderna tecnologia, com os tablets de mesa e as pulseirinhas dos hóspedes, que lhes dão acesso ao hostel, a seu quarto e ao cofre onde guardam seus pertences.
Na rua ressoa o tram tram do bonde 28, que sai do cemitério dos Prazeres e as cristaleias de São Bento, sobe até a praça Camões, A Brasileira e a Livraria Bertrand, e se lança em busca dos armarinhos sobreviventes da Rua Conceição, a Nardo ou a Concellos e Coelho, tão antiga que seu proprietário a cedeu a seus vendedores, que assim continuam comercializando botões e rendas. Franquias e redes não acabaram –ainda– com essa Lisboa de sonho; com esse comércio na base da unidade e do centímetro ou com suas tavernas, onde a família proprietária se mantém diante e atrás do balcão. Aguentam porque –salvo incêndios e terremotos– Lisboa aguenta quase tudo...
Um bonde da histórica linha 28 passa pela praça Luís de Camões, no bairro do Chiado. / PATRICIA DE MELO MOREIRA
Un tranvía de la histórica línea 28 a su paso por la plaza Luís de Camões, en el barrio del Chiado.As lojas de café em grão da rua Garret, as casas de fado do bairro da Alfama, a rosca rainha da Confeitaria Nacional, os cartazes de um partido comunista tão velho –abaixo o euro! subam os salários!”– como suas igrejas, a de São Roque, a dos Italianos, a de São Sebastião...; as santas paredes de Vhils, PixelPancho e Tamara Alves, grafiteiros sem fronteiras; o muro azul do Psiquiátrico, o café da esquina, e o Ginginha Espinheira, um bilhar no Pavilhão Chinês, o bife no Snob, o cortejo da Pensão Amor e o último gin-tonic no Procópio. À Lisboa se vai para viver, não para ver.
Tuk-tuks em frente da Sé de Lisboa, a catedral. / JOÃO HENRIQUES
“As pessoas chegam com expectativas mais baixas do que o que logo encontram e, claro, vão embora encantadas”, conta Paula Oliveira, diretora do turismo da cidade. “Não há um ícone que represente a cidade; seu atrativo é uma mescla de tudo: cultura, bom ambiente, bom clima, gastronomia e relax; tudo pode ser feito a pé; não existe o estresse da obrigatoriedade de visitar algo.” Em suas pesquisas, numa escala até 10, o grau de satisfação do turista é de 9,3, e 62% dizem que voltarão.
A cidade está sendo alvo da paixão que antes era absorvida por Berlim, com a queda do Muro, ou Barcelona, quando se tornou olímpica. No caso de Lisboa, o viajante tem dúvidas sobre se ela está caindo ou se erguendo, e desfruta essa maravilhosa incerteza. “Obra a obra, Lisboa melhora”, afirma uma campanha municipal com inevitável comedimento. “Compre agora, pague depois”, diz outra, que fomenta a reabilitação de edifícios que estão nas últimas.
Tasca de Zé dos cornos, en la capital portuguesa.
Tasca de Zé dois cornos, na capital portuguesa. / JOÃO HENRIQUES
Lisboa resiste milagrosamente ao transformismo turístico do fim de semana que converteu tantas cidades em parques temáticos. Lisboa é outra coisa. No tempo perdido dessa cidade há lugar para a paixão sem que um guarda a limite –eles estão lá, mas não se sabe onde– ou uma lei. As noites do Bairro Alto e do Cais do Sodré se enchem de bebedores super-resistentes e gargantas superprodigiosas. O viajante se move entre uma segurança quase absoluta e a educada paciência do morador autóctone, que, apesar de tanta algaravia, não foi contagiado pelas pressas, pois o português é de pouco mudar.
Aqui chegou e aqui ficou, abduzida, a fotógrafa Camilla Watson. Os retratos de seus vizinhos adornam as paredes do bairro da Mouraria, onde ainda se diz bons dias, boas tardes e boas noites enquanto se passeia entre a roupa estendida e o aroma do curry. Em uma ruela sob o castelo nasceu o fado, o lamento, dizem, de uma prostituta que cantava com navalha na liga, e na do lado resiste a primeira casa que os jesuítas ergueram no mundo antes de sair para conquistar Moçambique, Goa e muito além.
Interior do Home Lisbon Hostel.
Não há um centro de capital com tantas raças de tantas cores de tantos continentes. Pela avenida da Liberdade saem em compras os angolanos ricos; na rua São Paulo se alojam os jovens makers e artistas europeus; na Palma, os chineses de Macau, e na Benformoso, os indianos de Goa. A burocrática Lisboa deve às suas ex-colônias a vitalidade mágica de seus antes escravos ou súditos e hoje senhores que esparramaram sua música, sua literatura, sua gastronomia e até suas telenovelas para transformar esta velha cidade europeia na mais heterogênea e efervescente.
Entre jovens e não tão jovens de uma dezena de países, Mamma Isabel ergue seu copo de aguardente e brinda com um canadense que chegou para ficar dois dias e já está há dois meses sem saber por quê. “Pelas torradas da mamma”, grita um norueguês. E Mamma Isabel se enche de orgulho. “Adoro esta vida.” E com a mesma confiança, Oliveira, diretora do turismo, revela o segredo invendável, irreproduzível, de sua cidade: “Lisboa não é os seus monumentos; é os seus sentimentos.”

10 lugares incríveis e (quase) sem turistas

A cidade anima o viajante a descobrir seus próprios rincões. Passeando sem rumo e esquecendo preconceitos, as surpresas estão garantidas. Estas são algumas maravilhas da Lisboa discreta. Tão discreta que, às vezes, nem se deixa ver.

01 Ateneu Comercial

Interior del Ateneo Comercial de Lisboa.
Interior do Ateneo Comercial de Lisboa. / JOÃO HENRIQUES
Este palácio é um túnel do tempo. Passe, suba e abra portões de madeira como se fossem um labirinto; um dá para salões de lustres rococós, outro desvenda uma piscina ou um poliesportivo polidemolido. Este cenário de Blade Runner vara a noite como lugar de diversão de gente única. Rua das Portas de Santo Antão, 110.

02 Jardim Botânico Tropical

A multidão que rodeia o Mosteiro dos Jerônimos e a confeitaria dos Pastéis de Belém oculta este remanso de paz. Criado em 1906 como Jardim Colonial, não é uma exposição a mais de pinheiros, carvalhos e flores; é uma recriação da selva. A intimidade dos sinuosos caminhos, os pequenos rios e lagoas, e as esculturas indígenas nos trasladam à exuberante Macau. Largo dos Jerónimos.

03 Vila Berta

Uma colônia industrial, escondida atrás da populosa parada final do bonde 28, no Largo da Graça. Uma ruela com duas fileiras de casinhas com sacadas de ferro forjado construídas para os operários do começo do século XX. Rua Vila Berta.

04 Campo de Ourique

Não tem nada de espetacular, mas é um bairro encantador, harmonioso arquitetonicamente, todo com quatro pavimentos, de estilo racionalista dos anos sessenta; para quem é chegado em turismo, a casa de Pessoa e o mercado municipal transformado em mercado-butique.

05 Capela de Santo Amaro

Dizem que em 1749 marinheiros galegos ergueram esta capela sobre o Tejo e, desde meados do século XX, sob a ponte 25 de Abril. É um oásis urbano semiabandonado. É raramente aberta ao público, mas sempre está à vista o seu átrio semicircular forrado de azulejaria policromática, quase intacta. Calçada de Santo Amaro.

06 Praça das Amoreiras

Mapa de Lisboa.
Mapa de Lisboa. / JAVIER BELLOSO
Sombria, tranquila, escondida, com um agradável quiosque para emergências (café e sopa) e, em uma esquina, a Mãe d’Água, a cisterna subterrânea que recolhia no século XIX a água do aqueduto que ali termina.

07 Palácio Burnay

Foi embaixada da Espanha, mas o nome se deve ao banqueiro que o comprou posteriormente, e que o enriqueceu com pinturas e estuques. Hoje abriga algum órgão público que o mantém fechado. Não deixam passar do vestíbulo, e só isso já é uma maravilha. Rua da Junqueira, 86.

08 Jardim Bordalo Pinheiro

Se Barcelona tem Gaudí, Lisboa tem Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905); aquele, arquiteto, este, desenhista e ceramista; aquele, santarrão, este, sátiro dos poderosos; ambos com ilimitada imaginação. O Museu da Cidade recriou seu jardim com cerâmicas naturalistas de Bordalo: gigantescos lagartos trepam pelas paredes; da fonte surgem cavalos marinhos, caranguejos e mexilhões; moscas dos canteiros e macacos das árvores; caramujos se arrastam pela areia e um gato preto escaldado vigia toda a confusão. Uma loucura. Campo Grande, 245.

09 Cemitério inglês

Aberto em 1724 para dar sepultura aos britânicos ímpios, é o campo santo mais antigo da cidade e um remanso de paz e de histórias curiosas. Basta cruzar a rua para adentrar no jardim romântico de Estrela com um coreto de música e um quiosque de tira-gostos, acolhedor.

10 Museu Militar

O pátio dos canhões é único. Em suas quatro paredes, mosaicos de azulejos descrevem as batalhas mais importantes da história de Portugal, da reconquista de Lisboa à I Guerra Mundial. Largo Museu da Artilharia.
Jardín Bordallo Pinheiro con la figura de un lagarto del dibujante y ceramista.
Jardim Bordallo Pinheiro com a figura de um lagarto do desenhista e ceramista.
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