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domingo, 8 de fevereiro de 2015

271 OBRAS DE PICASSO

Pierre Le Guennec - Ladrão de Picassos?
Um eletricista francês apresenta 271 obras inéditas do gênio espanhol. Ele diz que foi tudo presente. Os herdeiros do mestre o acusam de roubo
Rodrigo Turrer

Lionel Cironneau
SÓ AGORA?
Le Guennec em sua casa, na Riviera Francesa. Ele guardou as obras por 40 anos
Você guardaria uma tela original de Pablo Picasso na garagem? E 271 obras que valem mais de € 60 milhões? Foi ao lado do carro, e em meio a bugigangas, que o eletricista francês Pierre Le Guennec, de 71 anos, diz ter deixado por mais de 40 anos raridades do acervo do pintor espanhol nunca catalogadas. A descoberta dos quadros, gravuras e cadernos de desenhos do período mais prolífico de Picasso, entre 1900 e 1932, deixou o mundo das artes em alerta e levantou suspeitas. Como um eletricista pôde ter acesso às obras? E por que ficou em silêncio sobre elas por quatro décadas?
Pierre Le Guennec é um francês remediado. Vive em uma casa modesta em Mouans-Sartoux, na Riviera Francesa, com a mulher, Danielle, com quem é casado há 50 anos. O casal tem dois filhos. Em 14 de janeiro deste ano, Le Guennec e Danielle enviaram uma carta a um dos seis filhos de Pablo Picasso, Claude, que administra o espólio do artista. O casal queria receber os certificados de autenticidade que permitiriam vender as pinturas e os desenhos no mercado oficial. A mulher de Le Guennec diz que ele estava com câncer, e ela preocupada com as dívidas. “Não queria deixar dor de cabeça para meus filhos. Então, pensamos em vender as obras”, afirmou Danielle a uma emissora de TV francesa.
Acostumado com malucos que o procuram o tempo todo dizendo ter obras de seu pai, Claude pediu provas. Recebeu 39 fotos em fevereiro e mais 30 em março. Ficou intrigado com a semelhança entre o que viu nas imagens e as obras de Picasso. Mas afirmou que seria impossível emitir certificados de autenticidade com fotos. Seis meses se passaram até que um casal de idosos com uma enorme mala atravessou a Rua Volney, em Paris, para chegar ao escritório de Claude. “Fiquei em choque”, disse ele ao jornal francês Libération. “Foi uma surpresa, uma emoção encontrar pedaços da história de meu pai.”
Claude e seis assistentes examinaram por três horas as colagens cubistas, uma aquarela, alguns guaches, telas, cerca de 30 litografias, além de 200 desenhos em cadernos. Nenhuma das obras estava listada no inventário de 70 mil obras feito pelos herdeiros. “Foi como encontrar um buraco negro que engoliu parte da obra de meu pai”, disse Claude. “São originais que ninguém imaginava existir.” Estima-se que as pinturas e os desenhos tenham sido feitos nos primeiros anos de Picasso em Paris, logo depois que ele saiu de Barcelona, em 1900. Há raridades como as colagens cubistas feitas a quatro mãos com o francês Georges Braque. Boa parte daquela parceria foi destruída nas consecutivas mudanças de ateliê do pintor.
‘‘Essa história não tem pé nem cabeça. Ele só dava pinturas a amigos íntimos’’ CLAUDE PICASSO, filho do pintor
Passada a euforia inicial da descoberta, vieram as dúvidas: como as obras chegaram às mãos do casal? Por que mantê-las escondidas? Acuado, Le Guennec começou a dar explicações que não convenceram a família Picasso. Ele disse que trabalhou como eletricista em três residências que Picasso tinha na costa francesa, no começo dos anos 70. Teria feito reparos e instalado sistemas de alarme nas casas. Segundo Le Guennec, numa tarde de 1971, a segunda mulher de Picasso e musa mais pintada pelo artista, Jacqueline Roque, teria lhe dado uma trouxa. “Ela disse que era um presente”, afirmou Le Guennec à TV francesa. “Aquilo poderia ter ido para o lixo.”

AP

RARIDADE
A obra Natureza morta vidro areia, feita por volta de 1915. É uma das 271 peças que estavam com Pierre Le Guennec
A ideia de Picasso entregando 200 obras a um desconhecido em um acesso de generosidade passa longe da realidade, na opinião de Claude. “Meu pai guardava tudo, até a corda que amarrava a correspondência que recebia. Até um desenho no bilhete do ônibus”, disse Claude ao jornal francês Libération. “Temos 200 mil objetos que ele guardou nos arquivos.” Além disso, Picasso dificilmente dava suas obras para alguém. 


Ele mantinha todas em seu ateliê e nunca deixava sair nenhuma peça sem sua assinatura e a data de execução. Claude admite que seu pai era generoso, mas duvida da tese de um “presente”. “Essa história não tem pé nem cabeça, é estapafúrdia. Ele só dava pinturas a amigos íntimos, com data, assinadas e com uma longa dedicatória”, afirma Claude. Nenhuma das obras em poder de Le Guennec tinha data ou dedicatória. Para Claude, Jacqueline também não daria as obras do marido sem autorização dele.


Le Guennec seria um ladrão que se aproveitou dos serviços feitos nas casas de Picasso para furtar as obras aos poucos? É o que a família do pintor disse ao Escritório Central pela Luta Contra o Tráfico de Bens Culturais, da Unesco. Em seu nome e dos seis herdeiros de Picasso, Claude moveu um “processo contra X” (um artifício jurídico francês para quando não se tem certeza de quem cometeu o crime). A polícia prendeu Le Guennec em outubro e confiscou todas as pinturas, que deverão ser doadas a museus.


As obras de Picasso estão entre as mais cobiçadas pelos ladrões. O Art Loss Register, que rastreia obras de arte saqueadas, lista 702 obras roubadas de Picasso. Na semana passada, na Espanha, três assaltantes roubaram um caminhão com 28 quadros, entre eles um desenho de Picasso avaliado em US$ 2 milhões. Mas Le Guennec não tem exatamente o perfil de um dos ladrões internacionais de obras de arte que adoram Picasso. “Eles nos apunhalaram pelas costas, nos levando ao tribunal e nos acusando de roubo”, disse Danielle a uma emissora francesa. “Nós não somos ladrões, não fizemos nada de errado.”

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